Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

terça-feira, 7 de agosto de 2012

“Se Deus existe”, por Santo Tomás de Aquino


De Estudos Tomistas



Suma Teológica, I, q. 2, a. 3
[Tradução: Carlos Nougué]

Se Deus existe

Quanto ao artigo terceiro, assim se procede: parece que Deus não existe.

1. Porque, se de dois contrários um fosse infinito, o outro seria completamente destruído. Ora, sob o nome de Deus se entende que existe um bem infinito. Se, portanto, Deus existisse, não haveria mal algum. Mas dá-se o mal no mundo. Logo, Deus não existe.
2. Ademais, o que pode ser realizado por poucos princípios não é feito por muitos. Ora, parece que tudo o que se vê no mundo, suposto que Deus não existe, pode ser realizado por outros princípios, porque tudo o que é natural se reduz ao princípio que é a natureza, e tudo o que é intencional se reduz ao princípio que é a razão ou a vontade humanas. Por conseguinte, não é necessário admitir que Deus exista.

Mas, em sentido contrário, temos o que se diz em Êxodo III da pessoa de Deus: “Eu sou Aquele que sou”.

Resposta. Deve-se dizer que se pode provar a existência de Deus por cinco vias.
primeira e mais evidente via é a que parte do movimento. Sim, porque é certo, e os sentidos o constatam, que neste mundo há coisas que se movem. Tudo o que se move, porém, é movido por outro. Nada, portanto, pode mover-se senão na medida em que está em potência para aquilo para o qual é movido, e nada move algo senão na medida em que está em ato. Assim, mover não é senão fazer passar algo de potência a ato, e nada pode reduzir-se de potência a ato senão por um ente em ato, assim como algo quente em ato, como o fogo, faz com que a madeira, que é quente em potência, seja quente em ato, e por isso a move e altera. Ora, não é possível que uma mesma coisa esteja simultaneamente em ato e potência pelo mesmo aspecto, mas só por aspectos diversos, assim como o que é quente em ato não pode ser simultaneamente quente em potência, mas é simultaneamente frio em potência. Logo, é impossível que, pelo mesmo aspecto e do mesmo modo, algo mova e seja movido, ou que se mova a si mesmo. É preciso, pois, que tudo o que se move seja movido por outro. Se, portanto, o que move é também movido, é-o necessariamente por outro, e este por outro. Aqui, porém, não se deve proceder ao infinito, porque neste caso não haveria primeiro motor; e consequentemente tampouco haveria outros motores, porque os segundos motores não se movem senão na medida em que são movidos por um primeiro motor, assim como um báculo não se move senão porque é movido pela mão. Logo, é preciso chegar a um primeiro motor, que não seja movido por outro, e este primeiro motor é o que todos entendem por Deus.
segunda via parte da razão de causa eficiente. Com efeito, nas coisas sensíveis encontramos a existência de certo ordenamento de causas, mas não encontramos nem é possível que algo seja causa eficiente de si mesmo; porque neste caso seria anterior a si mesmo, o que é impossível. Ora, tampouco é possível que nas causas eficientes se proceda ao infinito. Sim, porque, entre todas as causas eficientes ordenadas, a primeira é causa da intermediária, e a intermediária da causa última, sejam muitas as causas intermediárias, seja somente uma, e, suprimida a causa, se suprime também o efeito, donde, se não se admite uma primeira entre as causas eficientes, não haveria a última nem a intermediária. Se, pois, se procedesse ao infinito nas causas eficientes, não haveria a primeira causa eficiente, e, assim, tampouco haveria o último efeito nem causa eficiente intermediária, o que evidentemente é falso. Logo, é necessário admitir uma primeira causa eficiente, a que todos chamam Deus.
terceira via é tomada do possível e do necessário, e é a seguinte. Encontramos coisas que podem ser e não ser, pois, se as vemos gerar-se e corromper-se, é porque podem ser e não ser. Ora, é impossível que coisas que são assim sejam sempre, porque o que pode não ser não é em algum momento. Se, pois, todas as coisas podem não ser, houve um momento em que nada era. Ora, se isso fosse verdadeiro, nada seria agora, porque o que não é não começa a ser senão pelo que é; se, portanto, nenhum ente tivesse sido, teria sido impossível que algo começasse a ser, e por isso mesmo nada seria, o que patentemente é falso. Nem todos os entes, portanto, são [somente] possíveis, mas é preciso haver algo necessário entre as coisas. Ora, tudo o que é necessário ou tem a causa de sua necessidade em outro, ou não. Ademais, não é possível proceder ao infinito nas coisas necessárias que têm uma causa para sua necessidade, assim como tampouco nas causas eficientes, como se provou. Logo, é necessário admitir algo que seja necessário per se, que não encontre em outro a causa de sua necessidade, mas seja a causa da necessidade para os outros, e é a este algo que todos chamam Deus.
quarta via é tomada dos graus que se encontram nas coisas. Com efeito, encontra-se nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre, e assim quanto a tudo o mais. Ora, o mais e o menos se dizem de diversos conforme se aproximam de modo diverso de algo que é máximo, assim como algo é tanto mais quente quanto mais se aproxima do maximamente quente. Existe algo, pois, que é sumamente verdadeiro, sumamente bom, sumamente nobre, e consequentemente ente máximo, porque tudo o que é maximamente verdadeiro é ente máximo, como se diz no livro II da Metafísica [de Aristóteles]. Ora, o que se diz máximo em algum gênero é causa de tudo o que está em tal gênero, assim como o fogo, que é maximamente quente, é causa de tudo o que é quente, como se diz no mesmo livro. Logo, há algo que para todos os entes é causa de seu ser, de sua bondade e de sua perfeição, e a este algo chamamos Deus.
A quinta via é tomada do governo das coisas. Com efeito, vemos que as coisas desprovidas de cognição, como os corpos naturais, operam conforme a um fim, o que se mostra pelo fato de que, sempre ou frequentemente, têm o mesmo modo de operar, para alcançar o ótimo; donde se patenteia que não por acaso, mas por uma intenção, alcançam seu fim. Ora, aquilo que é desprovido de cognição não tende a um fim senão na medida em que é dirigido por algo cognoscente e inteligente, assim como a flecha o é pelo arqueiro. Logo, existe algo inteligente por quem todas as coisas naturais são ordenadas a seu fim, e a este algo chamamos Deus.

Quanto ao primeiro argumento, deve-se dizer, como diz Agostinho no Enquirídio, que, “sendo Deus sumamente bom, não permitiria que houvesse nada mau em suas obras se não tivesse suficiente poder e bondade para extrair o bem do mesmo mal”. Logo, à infinita bondade de Deus pertence o permitir que haja males, para deles extrair o bem.
Quanto ao segundo, deve-se dizer que, como a natureza opera por determinado fim sob a direção de um agente superior, é necessário reduzir a Deus, como à sua causa primeira, tudo o que a natureza faz. Similarmente, tudo quanto é feito intencionalmente deve ser reduzido a uma causa superior que não seja a razão e a vontade humanas, porque estas são mudáveis e defectíveis; é preciso, pois, que tudo o que é movível e defectível se reduza a um primeiro princípio imóvel e per se necessário, como se demonstrou.

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