Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Dom Vital, a Questão Religiosa no Brasil e a Maçonaria



Dom Vital – A Questão Religiosa no Brasil


“Porei ódio entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. ” (Genesis 3,15)

Aspectos políticos e religiosos que antecederam a questão religiosa durante o Segundo Reinado (1839-1889).


a) Maçonaria e protestantismo

No segundo império do Brasil a religião oficial era a católica. O Padroado dava ao Imperador D. Pedro II alguns privilégios, como os de indicar a nomeação de bispos, coletar dízimos, criar igrejas e prover os Benefícios Eclesiásticos.

O padroado fora um benefício concedido pela Igreja para algumas nações benfeitoras, com o objetivo de incentivar a expansão e manutenção da fé nos territórios coloniais dessas nações. No caso do Brasil, os reis portugueses tinham recebido da Igreja esses direitos, para patrocinar a atividade missionária em suas colônias.

Através da Bula Proeclara portugaliae algarbiorum que regum, o Papa Leão XII, em 15 de maio de 1827 concedeu o direito de padroado ao Império Brasileiro. Porém, o Parlamento brasileiro imediatamente rejeitou a bula, com o argumento de que o direito do padroado já era inerente à soberania e não necessitava de tal reconhecimento.

Desta rejeição da Bula papal pode-se constatar a tendência nacionalista, de origem galicana, do império brasileiro, que levava a não aceitar a autoridade e interferência do Papa, considerado como “monarca estrangeiro”, no território nacional

Se a constituição de 1824 garantia a religião católica como oficial do império, também concedia ao Imperador D. Pedro II as atribuições de conceder ou negar beneplácitos aos Decretos dos Concílios, Letras Apostólicas, e quaisquer outras Constituições Eclesiásticas.

O Imperador tinha o direito, conforme a Constituição, de examinar todos os documentos vindos de Roma, que só entrariam em vigor no Brasil após o seu placet, ou seja, após o consentimento imperial.

Assim, Joaquim Nabuco, liberal e maçom, exprime o pensamento dos autores da Constituição em relação à Igreja no Império brasileiro, deixando clara sua concepção galicana:

“ O pensamento dos autores da Constituição foi fundar entre nós uma igreja nacional, que vivendo na unidade católica tivesse uma certa independência da centralização romana, (…), esse privilégio da igreja galicana. Para isso, o legislador constituiu o Imperador a primeira autoridade eclesiástica do País, neste sentido – que lhe pertence não só a escolha do pessoal, a formação da hierarquia da igreja, como o julgamento supremo de todas as leis e decretos dos Papas e dos Concílios. ” (Nabuco, Joaquim – O Poder Ultramontano apud Villaça, Antônio Carlos – História da questão religiosa no Brasil, 1974, p.146)

O nome dado a essa defesa do direito de interferência do chefe de estado em assuntos internos da Igreja é regalismo. E no Segundo Império o regalismo era – ou se tornou – anticlerical, como veremos, o que de resto era fácil de acontecer.

Com esse cenário político no Brasil, por influência dos liberais e do republicanismo americano, a Maçonaria, numa ação conspiratória, não perdeu tempo em ajudar a desgastar a relação entre o Império e a Igreja, procurando sempre gerar conflitos, visando a acelerar a separação entre a Igreja e o Estado.

Um fato que chama atenção é o estreito relacionamento, e também a ajuda mútua, entre maçons e protestantes no período do Segundo Império. Os maçons protegiam e ajudavam a financiar o proselitismo protestante nas províncias. E, antes de criarem os seus próprios jornais, os protestantes publicavam artigos contra a doutrina católica nos jornais maçônicos. Houve um missionário protestante que chegou a afirmar, absurdamente, que Deus é quem estava ajudando a Maçonaria a destruir a hegemonia católica no Brasil.

A Igreja respondia aos ataques através de seus jornais católicos. Já contra o proselitismo protestante, a Igreja reclamava com o governo, pois a religião oficial, no Brasil imperial era a católica. Outras religiões eram permitidas, porém com culto doméstico sem divulgação ou propaganda, conforme a constituição vigente.

Para se ter uma ideia da extensão da ajuda mútua entre maçons e protestantes, um pastor luterano no interior de São Paulo, sem o menor constrangimento, alugou um salão maçônico, por falta de outro local, para a realização de cultos protestantes.

Pode-se de imaginar o tal pastor luterano criticando a Igreja Católica por possuir imagens de Nosso Senhor, de Nossa Senhora e dos Santos, em meio a vários símbolos, figuras e imagens esotéricas em um local onde se ensinava, secretamente, uma doutrina contrária à doutrina de Cristo.

A relação entre a Maçonaria e o protestantismo é, aliás, antiga. A chamada Maçonaria moderna ou Maçonaria especulativa, criada em 1717 na Inglaterra, tem, como principal fundador, o pastor protestante James Anderson.

Aqui, os políticos liberais maçons tinham como objetivo transformar rapidamente o Brasil em uma república. No campo religioso, seus principais objetivos eram os de separar a Igreja do Estado, permitir a liberdade de culto e instituir o casamento civil. Entre outros, o deputado Tavares Bastos, Tito Franco e o senador Saldanha Marinho.

Tavares Bastos, deputado anticatólico e maçom, foi um dos maiores defensores da causa protestante no Brasil. Tinha como amigo íntimo James Colley Fletcher, um americano calvinista que veio para o Brasil a princípio como capelão da Marinha americana, pois, contexto da corrida do ouro (1849), muitos americanos, contornando o continente pelo Sul, estavam passando pelo Brasil, na época, tendo como destino a California. Posteriormente, Fletcher, que tinha vários amigos maçons com posições importantes no Império brasileiro, dava suporte e proteção aos protestantes de todas as denominações.

Tavares Bastos sustentava a a tese de que o “progresso” só viria ao Brasil se a nação se tornasse protestante e renegasse toda sua origem cultural. Par alcançar esse objetivo, defendia a imigração em massa de americanos para o Brasil. Também racista, chegou a dizer que era necessário que o Brasil corrigisse a causa de seu “atraso” e sua imoralidade, cujo pior aspecto era, segundo ele, a mistura de raças. Porém, como tinha correligionários mulatos, como o próprio Saldanha Marinho, recuou e não mencionou mais o que realmente pensava a este respeito.Mas não deixava de manifestar seu pensamete maçônico e anti-católico, tendo dito em certa ocasião: “(…) o que fazer? Não se podia mais agir (…) como Marques de Pombal, e ameaçar queimar vivos os jesuítas, expulsá-los ou prende-los… A liberdade de culto resultaria em maior indiferença religiosa, degradaria o catolicismo (…)” (Vieira, David Gueiros – O protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, 1980, p.286)

Também o deputado Tito Franco, igualmente maçom, ajudava e protegia os protestantes. Como fez em Belém, terra do Bispo Dom Macedo. Tito em certo momento teve posição contrária aos colegas Saldanha Marinho e Tavares Bastos, que desejavam uma separação rápida entre Igreja e Estado. A posição de Tito Franco era a galicana, queria que a Igreja permanecesse ligada ao Estado para ser controlada. Para ele o Estado deveria permitir a liberdade religiosa e de culto, pois assim a população poderia se dividir em vários grupos religiosos e, então seria mais seguro separar a Igreja do Estado. No seu entender, era perigoso deixar a Igreja Católica livre do controle do Estado, pois muitas pessoas poderiam se converter ao Catolicismo e isso se tornaria uma ameaça aos planos maçônicos e ao “progresso”.

O senador Saldanha Marinho, jornalista, também maçom, publicou em artigos de jornais, ataques e críticas sistemáticos contra a Igreja Católica. Seu objetivo era, segundo Vieira, “ (..) promover, pela propaganda (jornalística), a separação de Igreja e do Estado, desfazendo assim, “ o consórcio híbrido entre trono e altar” a fim de estabelecer a “liberdade humana” no Brasil (…) absoluta liberdade de culto (…) e pela liberdade de consciência” (Vieira, David Gueiros – O protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, 1980, p.288)



b) Textos pontifícios e episcopais



Como é sabido, pouco antes, em 1832, Papa Gregório XVI na encíclica Mirari Vos condenara a liberdade de consciência e a separação entre Igreja e o Estado. Diz ele:

“Delírio da liberdade de consciência

“10. Dessa fonte lodosa do indiferentismo promana aquela sentença absurda e errônea, digo melhor disparate, que afirma e defende a liberdade de consciência. Este erro corrupto abre alas, escudado na imoderada liberdade de opiniões que, para confusão das coisas sagradas e civis, se estendo por toda parte, chegando a imprudência de alguém se asseverar que dela resulta grande proveito para a causa da religião. Que morte pior há para a alma, do que a liberdade do erro! Dizia Santo Agostinho (Ep. 166). Certamente, roto o freio que mantém os homens nos caminhos da verdade, e inclinando-se precipitadamente ao mal pela natureza corrompida, consideramos já escancarado aquele abismo (Apoc 9,3) do qual, segundo foi dado ver a São João, subia fumaça que entenebrecia o sol e arrojava gafanhotos que devastavam a terra. Daqui provém a efervescência de ânimo, a corrupção da juventude, o desprezo das coisas sagradas e profanas no meio do povo; em uma palavra, a maior e mais poderosa peste da república, porque, segundo a experiência que remonta aos tempos primitivos, as cidades que mais floresceram por sua opulência, extensão e poderio sucumbiram, somente pelo mal da desbragada liberdade de opiniões, liberdade de ensino e ânsia de inovações“ (Papa Gregório XVI – Encíclica Mirari Vos, 1832)

“Males da separação da Igreja e do Estado

“16. Mais grato não é também à religião e ao principado civil o que se pode esperar do desejo dos que procuram separar a Igreja e o Estado, e romper a mútua concórdia do sacerdócio e do império. Sabe-se, com efeito, que os amadores da falsa liberdade temeram ante a concórdia, que sempre produziu resultados magníficos, nas coisas sagradas e civis. ” (Papa Gregório XVI – Encíclica Mirari Vos, 1832)

E o Papa Pio IX, no Syllabus, entre vários erros também condenou a liberdade de culto:

“III. Indiferentismo, Latitudinarismo

“16° No culto de qualquer religião podem os homens achar o caminho da salvação eterna e alcançar a mesma eterna salvação.

“18° O protestantismo não é senão outra forma da verdadeira religião cristã, na qual se pode agradar a Deus do mesmo modo que na Igreja Católica. ” (Papa Pio IX – Syllabus, 1864).

“IX. Erros acerca do Principado Civil do Pontífice Romano

“77° Na nossa época já não é útil que a Religião Católica seja tida como a única Religião do Estado, com exclusão de quaisquer outros cultos.

“78° Por isso louvavelmente determinaram as leis, em alguns países católicos, que aos que para aí emigram seja lícito o exercício público de qualquer culto próprio.

“79º É falso que a liberdade civil de todos os cultos e o pleno poder concedido a todos de manifestarem clara e publicamente as suas opiniões e pensamentos produza corrupção dos costumes e dos espíritos dos povos. ” (Papa Pio IX, Syllabus, 1864).

Também Dom Vital, explicou e alertou, para seus fiéis de Pernambuco, sobre os erros da liberdade desejada pela Maçonaria:

“ Só o catolicismo garante a verdadeira liberdade, só ele dá a verdadeira significação e frutos saborosos (…) Liberdade não é licença; a liberdade sem limites não é progresso, é o trabalho de um cadáver em decomposição! ”

“(…) Persuadi-vos que somente o Filho de Deus feito homem é o nosso libertador; nele está a nossa salvação. Por amor dele obedecei à autoridade terrena, e dai a Cesar o que é de Cesar; mas não vos esqueçais que não sois escravos de ninguém, e que a vossa obediência é devida antes de tudo a Deus. Sede sujeitos aos pastores que a Igreja vos deu para dirigir-vos; fugi sobretudo dos semeadores do cisma e da falsa liberdade. ” (Olívola, Frei Felix de – Um Grande Brasileiro, p. 69,1967)

Nos dias de hoje podemos, claramente, constatar a decadência moral a que uma falsa liberdade humana, escrava dos piores pecados, trouxe para o Brasil e para o mundo.

Atualmente, como escreveu o ex-maçom francês Maurrice Caillet podemos saber que os princípios da falsa liberdade “…tem levado a maçonaria a preparar e a promover na França todas as leis que favorecem a libertinagem sexual, o divórcio, a contracepção química e mecânica, o aborto, o célebre PACS (pacto civil de solidariedade, uma união civil entre pessoas heterossexuais ou homossexuais), a manipulação de embriões e a despenalização de drogas brandas, assim como a legalização da eutanásia” (Caillet, Maurice – Yo fui Masón pag.177, 2008)

E, assim, ”é todo o conceito de família que está sendo derrubado. ” (Simon, Pierre – De la vie avant toute autre chose, 1979, Ed. Mazarine apud Caillet, Maurice –Yo fui Masón pag.178,2008)

Vejamos abaixo, a título de exemplo, o parecer de uma loja maçônica sobre perguntas feitas no congresso maçônico, de fevereiro de 1904, do Estado de São Paulo:

“ 1) Há convivência na ação conjunta e uniforme da Maçonaria do Sul da América, para fazer frente à invasão do clericalismo?

2) A maçonaria assim unida poderá conseguir que as Nações Sul-Americanas reajam desde já contra semelhante invasão?

3) Quais os meios a empregar?

4) As lojas sentem-se com força para a luta e contam com elementos para agir por si ou auxiliando os PPd SSup?

I Série 1°, 2°, 3° … respondemos sim, é necessário enfrentar o clericalismo até enforcar o último papa com os intestinos do último frade. Meio a empregar: energia constante; sentimo-nos com força e coragem e contamos com bastante elemento”. (Kloppenburg, Dr. Boaventura – A Maçonaria no Brasil, página 300)

Vemos claramente que a Maçonaria, ao contrário do que propala, não é favorável à liberdade de todos os cultos. Na verdade, ela é contra o Catolicismo e contra a Igreja, para assim propagar e impor a sua doutrina oculta. O antagonismo entre o ensinamento da Igreja e o da Maçonaria é mais bem compreendido, quando entendemos que os princípios maçônicos emanam de uma doutrina oculta, a gnose. Segundo João Anatalino, maçom,

“De qualquer forma, em tudo que se refere à Maçonaria, essas informações são de extrema importância quando se trata de conhecer a sua origem e entender a sua filosofia. Ela contém raízes muito profundas na Gnose (…) E embora a Gnose, como sistema de pensamento, tenha sobrevivido (…) através dos séculos, foi através da prática maçônica que ela ganhou corpo entre a elite intelectual que se formou após o período cultural conhecido com Renascença. ” (Gnose e Maçonaria – João Anatalino – Recanto das Letras, http://www.joaoanatalino.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=3874910)

“Mas foi a Gnose que forneceu à Maçonaria os grandes temas desenvolvidos em seus rituais, Foi, aliás, por intermédio dos filósofos daquela escola de pensamento que tomamos conhecimento dos grandes mitos da Antiguidade, oriundos das culturas egípcia, persa, caldeia e grega principalmente, que a Maçonaria adotou em seus rituais (…) Não é sem razão que as confissões religiosas oficiais olham com desconfiança para a Maçonaria. Afinal, seu caráter é, sem dúvida, bem ambíguo. Simultaneamente, religião e escola de pensamento(…)” (O negrito é meu). (Anatalino, João – Conhecendo a Arte Real : A maçonaria e suas influências históricas e filosóficas, página 22, 2007)

Assim, segundo um de seus membros, a Maçonaria tem uma religião. Essa religião é a gnose, a mesma e antiga religião condenada por Santo Irineu no século II, que a Maçonaria ocultamente ensina e propaga sob o nome de liberdade humana.


c) Dom Vital

Vital Maria Gonçalves de Oliveira, pernambucano, ingressou inicialmente no seminário de Olinda e, após alguns meses, foi para o seminário de São Suplicio na França. Nesse país se tornou capuchinho da ordem dos franciscanos e recebeu ordenação sacerdotal em 1868.

Em 1872, aos 27 anos, Dom Vital foi sagrado Bispo de Olinda na catedral de São Paulo, após aceitação do Papa Pio IX do pedido de nomeação feito por D. Pedro II.

O começo do conflito da questão religiosa ocorreu em 3 de março 1872, com um escândalo do Padre Almeida Martins, que discursou em perfeito estilo maçônico quando de uma grande festa promovida pelo Grande Oriente do Lavradio para comemorar a Lei do Ventre Livre. Posteriromente, este discurso, foi pulblicado em jornais por todo Brasil.

Na época o Bispo do Rio de Janeiro, D. Pedro Maria de Lacerda, chamou o Padre Almeida advertindo-o sobre a gravidade de seu ato. Pediu que o Padre se afastasse da Maçonaria e se arrependesse de seu discurso. E lembrou ao Padre que a excomunhão é a pena para todo o católico que se torna maçom. O Padre, porém, não voltou atrás e por esse ato de desobediencia foi punido com a suspesão de suas funções eclesiásticas.

Após isso a Maçonaria, em uma assembléia presidida pelo próprio presidente do governo, definiu as seguintes ações:

“1º – Iniciar uma grande campanha contra os bispos e a Igreja, através da imprensa;

2º – Convocar todos os maçons dissidentes a se unirem ;

3º – Recolher fundos para campanha.” (Olívola, Frei Felix de – Um Grande Brasileiro, página 69,1967)

Estando assim toda Maçonaria do Brasil unida pela causa, começou uma intensiva campanha contra a Igreja Católica e seus Bispos. Foram fundados inúmeros novos jornais e seguiram-se provocações, difamações, blasfêmias, calúnias e até atos violentos.

Antes da chegada de Dom Vital a Recife, os jornais maçôncios já suscitavam a desconfiança contra o novo Bispo, classificando-o como “homem perigoso”, ultramontano e frade “impregnado” do “espírito inquisitorial”.

Ocorreram inúmeras outras provocações e insultos, durante cinco meses, durante os quais Dom Vital manteve-se em silêncio. O Bispo de Olinda sabia que o mínimo protesto daria início a uma grande luta. Entretanto, um pastor publicou, num jornal maçônico do Recife chamado A Verdade, um artigo atacando o dogma da virgindade perpétua de Nossa Senhora. Diante da blasfêmia contra a Santíssima Virgem Maria, Dom Vital, não pôde mais calar-se.

Então, na festa da Apresentação de Nossa Senhora, em 21 de novembro de 1872, Dom Vital publicou um forte protesto:

“…. Chegaram ao ponto, diletíssimos Irmãos, de negar à nossa Mãe SSma. uma das prerrogativas que é o mais precioso brilhante de sua coroa de glória; negaram a sua virgindade perpétua!(…) Em face desse derramamento de doutrinas pestilentas, não podemos conservar-nos quedos e mudos. Semelhante procedimento tornar-nos-ia réu de traição à missão augusta e divina de que fomos encarregados. ” (Olívola, Frei Felix de. Um Grande Brasileiro, página 67,1967)

O jornal A Verdade ficou satisfeitíssimo por ter obrigado Dom Vital a sair do silêncio e, para desafiá-lo, publicou uma lista, primeiramente, de todos os padres e cônegos filiados à Maçonaria e, posteriormente, uma segunda lista com os nomes dos presidentes, secretários e tesoureiros de Irmandades Religiosas que pertenciam às Lojas.

Dom Vital chamou um a um, tanto os clérigos como os leigos das Irmandades. Com caridade, explicou-lhes os erros da seita, as penas lançadas pelo Papa, pedindo-lhes que abandonassem a Maçonaria e prometendo-lhes o perdão. Muitos padres se arrependeram e duas Irmandades, como a maioria de seus membros era católica, obedeceram. Porém as outras Irmandades, em que a maioria dos integrantes fazia parte da Maçonaria, responderam com insultos e zombarias.

Em consequência, Dom Vital interditou as capelas de suas Irmandades. Uma delas, embora não imediatamente, interpôs um recurso à coroa contra o Bispo, conforme o código legislativo brasileiro da época.

Dom Vital, depois de receber pedidos para que retrocedesse de sua decisão sobre a questão religiosa, escreve um primeiro documento de resistência, uma carta:

“Exmo. Sr. Conselheiro,

Sinto em extremo ir perturbar a V. Ex.ª no meio a grave questão que, atualmente, se agita no meio deste meu querido rebanho. Estou em luta com a Maçonaria. Creia, porém V. Ex.ª que da minha parte houve menos imprudência que rigoroso dever de consciência.

A Maçonaria, talvez por acinte, publica jornais com os nomes de seus iniciados, declarando-os ao mesmo tempo membros das Irmandades religiosas: há respeitáveis maçons, diz ela, que nas lojas empunham o malhete de Venerável e nas Irmandades a vara de Juiz. Para que tamanha ostentação, senão para desmoralizar a Igreja e seus delegados que a condenam?

Sabe V. Ex.ª que na qualidade de Bispo da Igreja Católica não posso de modo algum permitir semelhante mistura nas corporações e Irmandades religiosas; porquanto o elemento maçônico é condenado por aquela Igreja da qual sou o representante, posto que imeritamente, máxime quando a maçonaria faz disto tanto alarde e tira argumentos contra o Prelado Diocesano.

Em virtude das Bulas de seis Pontífices Romanos, a Maçonaria está fulminada com pena de excomunhão maior em que incorrem ipso facto todos os seus filiados; e como tais não podem estes fazer parte de qualquer irmandade ou confraria.

Em consequência, instante e caridosamente, tenho exortado os membros das Irmandades que, por infelicidade, são maçons a que abjurem ou então se retirem. Os membros recusam, as Irmandades não querem eliminá-los de seu grêmio como deveriam e eu vou lançando interdito sobre as Irmandades.

Os maçons vão apelar para os altos poderes do Estado, porque as Bulas não receberam Beneplácito régio. Porém V. Exª bem sabe que o Beneplácito não é admitido e até é muito condenado pela Igreja. Tanto mais que na questão vertente o Sumo Pontífice declara formalmente dita excomunhão atingir a Maçonaria em todo e qualquer País, ainda mesmo naqueles em que está tolerada pelos Imperantes (Pio IX em sua declaração de 1865).

De modo algum me convém ceder nesta questão, porque seria transigir com a minha consciência, seria trair os direitos da minha missão, seria finalmente desmoralizar-me completamente. Estou, por conseguinte, disposto a todos os sacrifícios, contanto que fique salvo o direito da Igreja.

Tenho inteira certeza de que V.Exª como verdadeiro católico e como ministro de uma nação, cuja religião é a católica apostólica romana, apoiará o procedimento de um Bispo católico principalmente em questão de tão subido alcance para a religião e também para o Estado, creia-me V.Exª.

Repito a V.Ex.ª e asseguro-lhe que fui arrastado pelo dever ao qual eu não poderia faltar sem graves remorsos de consciência, e sem grande descrédito do meu caráter episcopal.

Fico orando para que o Altíssimo outorgue a V.Exª luz e força, e declaro-me, como sempre.

De V.Ex.ª

amigo fiel e criado mui grato

Frei Vital, Bispo de Olinda

Recife, 10 de janeiro de 1873 (Villaça, Antônio Carlos - História da questão religiosa no Brasil, 1974, p.37-38)

Do Papa Pio IX recebeu Dom Vital uma carta de nome Quamquam Dolores sobre a Maçonaria. A mesma o orientou como proceder e, ratificando todo o procedimento do Bispo, serviu de grande incentivo para Dom Vital.

Já em uma carta do Imperador D. Pedro II deste período, pode-se constatar seu posicionamento sobre a relação entre os poderes da Igreja e do Estado:

“ As relações entre os governos onde há católicos e a Santa Sé vão-se tornado difíceis. E eu não vejo outro remédio senão na vigilância dos governos, para não se deixarem invadir em suas atribuições. O direito do “placet” foi sempre reconhecido no Brasil e é mesmo um dos princípios da Constituição (…)” (Villaça, Antônio Carlos – História da questão religiosa no Brasil, 1974, p.71)

Em relação à questão religiosa, D. Pedro II se dizia penalizado e afirmava que o procedimento dos Bispos estava sujeito ao julgamento do Supremo Tribunal de Justiça, desejando que não ficasse impune tão grave ofensa à Constituição e às leis.

Assim, o Bispo de Olinda foi julgado e condenado à prisão, onde ficou por mais de um ano e meio. Posteriormente ao julgamento de Dom Vital, também foi julgado e preso Dom Macedo Costa, Bispo no Pará, que tinha o mesmo posicionamento que o prelado pernambucano.

Ao saber da situação, por uma carta escrita por Dom Vital, que se encontrava preso, Pio IX encaminhou também uma carta à D. Pedro II, na qual lhe solicitava que libertasse os Bispos que se achavam injustamente encarcerados, afirmando que, caso o Imperador atendesse o pedido, o Papa concederia a reabertura das igrejas, desde que se afastassem os maçons dos cargos que exerciam nas irmandades.

Entretanto ocorreu a queda do Ministério Rio Branco. D. Pedro II fez um apelo ao Duque de Caxias para que assumisse o novo ministério, o que o militar aceitou, com a condição de que os Bispos presos fossem anistiados. E assim os Bispos foram libertos, libertação foi intensamente comemorada e festejada por todos os católicos do Império Brasileiro e que pôs fim à questão religiosa, oficialmente.

Após sua libertação, Dom Vital foi a Roma, encontrar-se com Pio IX, levando-lhe relatórios sobre a real situação da Igreja Católica no Brasil. No segundo aniversário de sua prisão, Dom Vital celebrou a Santa Missa no Cárcere Mamertino, em Roma, onde estiveram presos São Pedro e São Paulo, e pediu coragem para os combates futuros.

Pio IX, nessa ocasião, mandou levantar o interdito lançado pelos Bispos do Pará e de Olinda, contra as igrejas de suas dioceses. O que foi aproveitado pela Maçonaria, que se jactava de que o Papa Pio IX, levantando os interditos, estava também deixando de condenar a Maçonaria brasileira, aproveitando para difamar Dom Vital. Esse erro de entendimento foi desfeito com a nova Carta Exortae in ista do Papa Pio IX aos Bispos do Brasil sobre a Maçonaria (Kloppenburg, D. Boaventura, A Maçonaria no Brasil, página 333-336), na qual, lamentando que os Bispos tenham sidos arrastados à luta pela seita, confirmou integralmente o Breve Quamquam Dolores e reafirmando que a Maçonaria não estava excluída da condenação.

Dom Vital regressou ao Brasil triunfante e, revestido de suas vestes pontificais, cercado pela multidão, caminhou em direção à Igreja de São Pedro, em Recife, para oTe Deum.

Por fim, com a saúde debilitada, Dom Vital acaba retornando à Europa, onde vem a falecer aos 33 anos de idade no convento capuchinho de Paris, no dia 4 de julho de 1878.

Seu processo de beatificação foi reaberto e está em andamento. Suspeita-se, que a causa da morte tenha sido envenenamento, o que caracterizaria um martírio. Seus restos mortais encontram-se na Basílica de Nossa Senhora da Penha na cidade de Recife.



Bibliografia

Villaça, Antônio Carlos, História da questão religiosa no Brasil, 1974, Livraria Francisco Alves Editora S. A,Rio de Janeiro, pag. 37;38;71;146.
Vieira, David Gueiros, O protestantismo, a Maçonaria e a Questão Religiosa no Brasil, Editora UnB, 1980, pag. 286;288.
Olívola, Frei Felix de,Um Grande Brasileiro, Imprensa Universitária 1967, pág. 67; 69.
Kloppenburg, D. Boaventura, A Maçonaria no Brasil, Ed. Vozes, 1956 pág.300; 333-336.
Anatalino, João, Conhecendo a Arte Real – a maçonaria e suas influências históricas e filosóficas, Editora Madras 2007, página 22
Papa Gregório XVI, Encíclica Mirari Vos,1832
Anatalino, João Gnose e Maçonaria – João Anatalino – Recanto das Letras http://www.joaoanatalino.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=3874910
Caillet, Maurice – Yo fui Masón,Ed. Librolibres,2008, p.177
Dom Vital de Oliveira – http://www.domvitaldeoliveira.org/


Fonte: http://www.montfort.org.br/dom-vital-a-questao-religiosa-no-brasil-e-a-maconaria/

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