Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

AUDIÊNCIA GERAL - De Santo Agostinho, uma lição sobre a verdadeira laicidade

PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI
Quarta-feira, 20 de Fevereiro de 2008

De Santo Agostinho, uma lição sobre a verdadeira laicidade

Queridos irmãos e irmãs

Depois da pausa dos exercícios espirituais da semana passada voltamos hoje à grande figura de Santo Agostinho, sobre o qual já falei repetidamente nas catequeses da quarta-feira. É o Padre da Igreja que deixou o maior número de obras, e hoje pretendo falar delas brevemente. Alguns dos escritos agostinianos são de importância fundamental, e não só para a história do cristianismo mas para a formação de toda a cultura ocidental: o exemplo mais claro são as Confessiones, sem dúvida um dos livros da antiguidade cristã ainda hoje muito lido. Como diversos Padres da Igreja dos primeiros séculos, mas em medida incomparavelmente mais ampla, também o Bispo de Hipona exerceu de facto uma influência alargada e persistente, como é demonstrado pela superabundante tradição manuscrita das suas obras, que deveras são numerosíssimas.

Ele mesmo as passou em revista alguns anos antes de morrer nas Retractationes e pouco depois da sua morte elas foram cuidadosamente registradas no Indiculus ("elenco") acrescentado pelo amigo fiel Possídio à biografia de Santo Agostinho, Vita Augustini. O elenco das obras de Agostinho foi realizado com a intenção explícita de salvaguardar a sua memória enquanto a invasão vândala se expandia em toda a África romana e conta mil e trinta escritos enumerados pelo seu Autor, com outros "que não podem ser numerados, porque não os enumerou". Bispo de uma cidade próxima, Possídio ditava estas palavras precisamente a Hipona onde se tinha refugiado e assistira à morte do amigo e quase certamente se baseava no catálogo da biblioteca pessoal de Agostinho. Hoje, são mais de trezentas as cartas do Bispo de Hipona que sobreviveram e quase seiscentas as homilias, mas elas eram muitas mais, talvez até entre as três mil e as quatro mil, fruto de quarenta anos de pregações do antigo reitor que tinha decidido seguir Jesus e falar já não aos grandes da corte imperial, mas à simples população de Hipona.

E ainda em anos recentes as descobertas de um grupo de cartas e de algumas homilias enriqueceram o nosso conhecimento deste grande Padre da Igreja. "Muitos livros escreve Possídio foram por ele compostos e publicados, muitas pregações foram feitas na igreja, transcritas e corrigidas, quer para contestar os diversos hereges quer para interpretar as sagradas Escrituras dos santos filhos da Igreja. Estas obras ressalta o Bispo amigo são tantas que dificilmente um estudioso tem a possibilidade de as ler e aprender a conhecê-las" (Vita Augustini, 18, 9).

Entre a produção literária de Agostinho portanto mais de mil publicações subdivididas em escritos filosóficos, apologéticos, doutrinais, morais, monásticos, exegéticos, anti-hereges, além, precisamente, das obras excepcionais de grande alcance teológico e filosófico. Antes de tudo é preciso recordar as já mencionadas Confessiones, escritas em treze livros entre 397 e 400 para louvor de Deus. Elas são uma espécie de autobiografia na forma de um diálogo com Deus. Este género literário reflecte precisamente a vida de Santo Agostinho, que era uma vida não fechada em si, dispersa em tantas coisas, mas vivida substancialmente como diálogo com Deus e assim uma vida com os outros. Já o título Confessiones indica a especificidade desta autobiografia. Esta palavra confessiones no latim cristão desenvolvido pela tradição dos Salmos tem dois significados, que contudo se entrelaçam. Confessiones indica, em primeiro lugar, a confissão das próprias debilidades, da miséria dos pecados; mas, ao mesmo tempo, confessiones significa louvor a Deus, reconhecimento a Deus. Ver a própria miséria na luz de Deus torna-se louvor a Deus e agradecimento porque Deus nos ama e nos aceita, nos transforma e nos eleva para si mesmo. Sobre estas Confessiones, que tiveram grande êxito já durante a vida de Santo Agostinho, ele mesmo escreveu: "Elas exerceram sobre mim tal acção enquanto as escrevia e ainda a exercem quando as releio. Estas obras são do agrado de muitos irmãos" (Retractationes, II, 6): e devo dizer que também eu sou um destes "irmãos". E graças às Confessiones, podemos seguir passo a passo o caminho interior deste homem extraordinário e apaixonado por Deus. Menos conhecidas mas igualmente originais e muito importantes são, outrossim, as Retractationes, compostas em dois livros por volta do ano 427, nas quais Santo Agostinho já idoso realiza uma obra de "revisão"(retractatio)detoda a sua obra escrita, deixando assim um documento literário singular e extremamente precioso, mas também um ensinamento de sinceridade e de humildade intelectual.

O De civitate Dei obra imponente e decisiva para o desenvolvimento do pensamento político ocidental e para a teologia cristã da história foi escrito de 413 a 426, em vinte e dois livros. A ocasião era o saque de Roma, levado a cabo pelos Gotos em 410. Numerosos pagãos ainda vivos, mas também muitos cristãos, disseram: Roma caiu e agora o Deus cristão e os apóstolos já não podem proteger a cidade. Durante a presença das divindades pagãs, Roma era caput mundi, a grande capital, e ninguém podia pensar que teria caído nas mãos dos inimigos. Agora, com o Deus cristão, esta grande cidade já não parecia segura. Portanto, o Deus dos cristãos já não protegia, não podia ser o Deus ao qual confiar-se. Nesta objecção, que tocava profundamente também o coração dos cristãos, Santo Agostinho responde com esta obra grandiosa, o De civitate Dei, esclarecendo o que devemos ou não esperar de Deus, qual é a relação entre o campo político e o campo da fé, da Igreja. Também nos dias de hoje, este livro é uma fonte para definir bem a verdadeira laicidade e a competência da Igreja, a grande e verdadeira esperança que a fé nos proporciona.

Este livro excelso é uma apresentação da história da humanidade governada pela Providência divina, mas actualmente dividida por dois amores. E este é o desígnio fundamental, a sua interpretação da história, que é a luta entre dois amores: o amor a si mesmo, "até à indiferença por Deus", e o amor a Deus", "até à indiferença por si mesmo" (De civitate Dei, XIV, 28), à plena liberdade de si próprio pelos outros, na luz de Deus. Portanto, este é talvez o maior livro de Santo Agostinho, de uma importância permanente. Igualmente importante é o De Trinitate, obra em quinze livros no núcleo principal da fé cristã, a fé no Deus trinitário, escrita em dois tempos: entre 399 e 412, os primeiros doze livros, publicados sem o conhecimento de Agostinho, que por volta de 420 os completou e reviu a obra inteira. Aqui, ele reflecte sobre o rosto de Deus e procura compreender este mistério do Deus que é singular, o único criador do mundo, de todos nós e, todavia, que precisamente este Deus único é trinitário, um círculo de amor. Procura compreender o mistério insondável: exactamente o ser trinitário, em três Pessoas, é a mais real e mais profunda unidade do único Deus. O De doctrina Christiana é, no entanto, uma verdadeira e própria introdução cultural à interpretação da Bíblia e, em última análise, ao próprio cristianismo, que teve uma importância determinante na formação da cultura ocidental.

Apesar de toda a sua humildade, Agostinho certamente estava consciente da sua estatura intelectual. Mas para ele, mais importante do que realizar grandes obras de elevado significado teológico, era transmitir a mensagem aos simples. Esta sua intenção mais profunda, que orientou toda a sua vida, manifesta-se numa carta escrita ao colega Evódio, na qual comunica a decisão de suspender momentaneamente o ditado dos livros do De Trinitate, "porque são demasiado cansativos e na minha opinião podem ser entendidos por poucos; por isso, são mais urgentes os textos que, esperamos, venham a ser mais úteis para muitos" (Epistulae, 169, 1, 1). Portanto, para ele era mais útil comunicar a fé de modo compreensível para todos, do que escrever grandes obras teológicas. A responsabilidade profundamente sentida em relação à divulgação da mensagem cristã é sentida também na origem de escritos, como De catechizandis rudibus, uma teoria e também uma prática da catequese, ou o Psalmus contra partem Donati. Os donatistas eram o grande problema da África de Santo Agostinho, um cisma intencionalmente africano. Eles afirmavam: a verdadeira cristandade é africana. Opunham-se à unidade da Igreja. Contra este cisma, o grande Bispo lutou durante toda a sua vida, procurando convencer os donatistas que somente na unidade também a africanidade pode ser verdadeira. E para se fazer compreender pelos mais simples, que não conseguiam entender o latim erudito do reitor, disse: devo escrever também com erros gramaticais, num latim muito simplificado. E fê-lo sobretudo neste Psalmus, uma espécie de poesia simples contra os donatistas, para ajudar todas as pessoas a compreenderem que unicamente na unidade da Igreja se realiza para todos realmente a nossa relação com Deus e aumenta a paz no mundo.

Nesta produção destinada a um público mais vasto reveste uma importância particular o número de homilias, muitas vezes pronunciadas "de modo improvisado", transcritas pelos taquígrafos durante a pregação e imediatamente postas em circulação. Entre elas, sobressaem as lindas Enarrationes in Psalmos, muito lidas na Idade Média. Precisamente a prática de publicação dos milhares de homilias de Agostinho muitas vezes sem o controle do autor explica a sua difusão e sucessiva dispersão, mas também a sua vitalidade. Com efeito, imediatamente as pregações do Bispo de Hipona tornavam-se, pela fama do seu autor, textos muito procurados e serviam também para outros Bispos e sacerdotes como modelos, adequados a contextos sempre novos.

A tradição iconográfica, já num afresco lateranense que remonta ao século VI, representa Santo Agostinho com um livro na mão, sem dúvida para expressar a sua produção literária que influenciou em grande medida a mentalidade e o pensamento cristãos, mas para exprimir também o seu amor pelos livros, pela leitura e pelo conhecimento da grande cultura precedente. Quando faleceu nada deixou, narra Possídio, mas "recomendava sempre que se conservasse diligentemente para a posteridade a biblioteca da igreja com todos os códices", sobretudo os das suas obras. Nelas, sublinha Possídio, Agostinho está "sempre vivo" e beneficia quem lê os seus escritos não obstante, conclui ele, "na minha opinião puderam tirar mais proveito do seu contacto aqueles que o conseguiram ver e ouvir, quando falava pessoalmente nas igrejas, e sobretudo aqueles que tiveram a experiência da sua vida quotidiana no meio do povo" (Vita Augustini, 31). Sim, também para nós teria sido muito bom poder ouvi-lo pessoalmente. Todavia, ele está deveras vivo nos seus escritos, está presente em nós e assim sentimos também a vitalidade permanente da fé, à qual ele entregou toda a sua vida.


Saudação

Saúdo os visitantes de língua portuguesa, especialmente os brasileiros de Porto Alegre. Faço votos por que vossa recente peregrinação à Terra Santa sirva de auspício para invocar do Altíssimo abundantes graças que vos façam prosseguir, seguros e concordes, na caminhada penitencial rumo à Páscoa eterna. Que Deus nosso Senhor abençoe vossas famílias e comunidades.



Fonte: www.vatican.va

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Audiência Geral - Deus não está distante da nossa razão nem da nossa vida

PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI
Quarta-feira, 30 de Janeiro de 2008

Deus não está distante da nossa razão nem da nossa vida

Queridos amigos

Depois da Semana de oração pela unidade dos cristãos voltamos hoje à grande figura de Santo Agostinho. O meu querido Predecessor João Paulo II dedicou em 1986, isto é, no décimo sexto centenário da sua conversão, um longo e denso documento, a Carta apostólica Augustinum Hipponensem. O próprio Papa quis definir este texto "um agradecimento a Deus pelo dom feito à Igreja, e através dela à humanidade inteira, com aquela admirável conversão". Sobre o tema da conversão gostaria de voltar a reflectir numa próxima Audiência. É um tema fundamental não só para a sua vida pessoal, mas também para a nossa. No Evangelho de domingo passado o próprio Senhor resumiu a sua pregação com a palavra: "Convertei-vos". Seguindo o caminho de Santo Agostinho, poderíamos meditar sobre o que foi esta conversão: uma coisa definitiva, decisiva, mas a decisão fundamental deve desenvolver-se, deve realizar-se em toda a nossa vida.

Hoje a catequese é dedicada, ao contrário, ao tema fé e razão, que é determinante, ou melhor, o tema determinante para a biografia de Santo Agostinho. Quando era criança tinha aprendido da sua mãe Mónica a fé católica. Mas quando era adolescente abandonou esta fé porque não via a sua racionalidade e não queria uma religião, que não fosse também para ele expressão da razão, isto é, da verdade. A sua sede de verdade era radical e levou-o portanto a afastar-se da fé católica. Mas a sua radicalidade era tal que ele não podia contentar-se com filosofias que não alcançassem a própria verdade, que não chegassem a Deus. E a um Deus que não fosse só uma última hipótese cosmológica, mas o verdadeiro Deus, o Deus que dá a vida e que entra na nossa própria vida. Assim todo o percurso intelectual e espiritual de Santo Agostinho constitui um modelo válido também hoje na relação entre fé e razão, tema não só para homens crentes mas para cada homem que procura a verdade, tema central para o equilíbrio e o destino de cada ser humano. Estas duas dimensões, fé e razão, não podem ser separadas nem contrapostas, mas devem antes estar sempre juntas. Como escreveu o próprio Agostinho, depois da sua conversão, fé e razão são "as duas forças que nos levam a conhecer" (Contra Academicos, III, 20, 43). A este propósito permanecem justamente célebres as duas fórmulas agostinianas (Sermones, 43, 9) que expressam esta síntese coerente entre fé e razão: crede ut intelligas ("crê para compreender") o crer abre o caminho para passar pela porta da verdade mas também, e inseparavelmente, intellige ut credas ("compreende para crer"), perscruta a verdade para poder encontrar Deus e crer.

As duas afirmações de Agostinho exprimem com eficaz prontidão e com igual profundidade a síntese deste problema, na qual a Igreja católica vê expresso o próprio caminho. Historicamente esta síntese vai-se formando, ainda antes da vinda de Cristo, no encontro entre fé judaica e pensamento grego no judaísmo helénico. Sucessivamente na história esta síntese foi retomada e desenvolvida por muitos pensadores cristãos. A harmonia entre fé e razão significa sobretudo que Deus não está longe: não está longe da nossa razão e da nossa vida; está próximo de cada ser humano, perto do nosso coração e da nossa razão, se realmente nos pusermos a caminho.
Precisamente esta proximidade de Deus ao homem foi sentida com extraordinária intensidade por Agostinho. A presença de Deus no homem é profunda e ao mesmo tempo misteriosa, mas pode ser reconhecida e descoberta no próprio íntimo: não saias afirma o convertido mas "volta para ti"; no homem interior habita a verdade; e se achares que a tua natureza é alterável, transcende-te a ti mesmo. Mas recorda-te, quando te transcendes a ti mesmo, transcendes uma alma que raciocina" (De vera religione, 39, 72). Precisamente como ele mesmo ressalta, com uma afirmação muito famosa, no início das Confessiones, autobiografia espiritual escrita para louvor de Deus: "Criastes-nos para Vós, e o nosso coração está inquieto, enquanto não descansa em Vós" (I, 1, 1).

A distância de Deus equivale à distância de si mesmo: "De facto, tu reconhece Agostinho (Confessiones, III, 6, 11) dirigindo-se directamente a Deus estavas dentro de mim mais que o meu íntimo e acima da minha parte mais alta", interior intimo meo et superior summo meo; a ponto que acrescenta noutro trecho recordando o tempo que precedeu a conversão "tu estavas diante de mim; e eu, ao contrário, tinha-me afastado de mim mesmo, e não me reencontrava; e muito menos te encontrava a ti" (Confessiones, V, 2, 2). Precisamente porque Agostinho viveu em primeira pessoa este percurso intelectual e espiritual, soube transmiti-lo nas suas obras com tanta prontidão, profundidade e sabedoria, reconhecendo em dois outros célebres trechos das Confessiones (IV, 4, 9 e 14, 22) que o homem é "um grande enigma" (magna quaestio) e "um grande abismo" (grande profundum), enigma e abismo que só Cristo ilumina e salva. Isto é importante: um homem que está distante de Deus está também afastado de si mesmo, alienado de si próprio, e só pode reencontrar-se encontrando-se com Deus. Assim chega também a si, ao seu verdadeiro eu, à sua verdadeira identidade.

O ser humano ressalta depois Agostinho no De civitate Dei (XII, 27) é social por natureza mas anti-social por vício, e é salvo por Cristo, único mediador entre Deus e a humanidade e "caminho universal da liberdade e da salvação", como repetiu o meu predecessor João Paulo II (Augustinum Hipponensem, 21): fora deste caminho, que nunca faltou ao género humano afirma ainda Santo Agostinho na mesma obra "ninguém jamais foi libertado, ninguém é libertado e ninguém será libertado" (De civitate Dei, X, 32, 2). Enquanto único mediador da salvação, Cristo é a cabeça da Igreja e a ela está misticamente unido a ponto que Agostinho pode afirmar: "Tornamo-nos Cristo. De facto, se ele é a cabeça, nós somos os seus membros, o homem total é Ele e nós" (In Iohannis evangelium tractatus, 21, 8).

Povo de Deus e casa de Deus, a Igreja na visão agostiniana está portanto estreitamente relacionada com o conceito de Corpo de Cristo, fundada na releitura cristológica do Antigo Testamento e na vida sacramental centrada na Eucaristia, na qual o Senhor nos dá o seu Corpo e nos transforma em seu Corpo. Então, é fundamental que a Igreja, povo de Deus em sentido cristológico e não em sentido sociológico, esteja verdadeiramente inserida em Cristo, o qual afirma Agostinho numa lindíssima página "reza por nós, reza em nós, é rezado por nós; reza por nós como nosso sacerdote, reza em nós como nossa cabeça, é rezado por nós como nosso Deus: reconhecemos portanto nele a nossa voz e em nós a sua" (Enarrationes in Psalmos, 85, 1).

Na conclusão da Carta apostólica Augustinum Hipponensem João Paulo II quis perguntar ao próprio Santo o que tem para dizer aos homens de hoje e responde antes de tudo com as palavras que Agostinho escreveu numa carta ditada pouco antes da sua conversão: "Parece-me que se deve reconduzir os homens à esperança de encontrar a verdade" (Epistulae, 1, 1); aquela verdade que é o próprio Cristo, Deus verdadeiro, ao qual é dirigida uma das orações mais bonitas e mais famosas das Confessiones (X, 27, 38): "Tarde Vos amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Vos amei! Estáveis dentro de mim e eu estava fora, e aí Vos procurava; e disforme como era, lançava-me sobre estas coisas formosas que criastes. Estáveis comigo e eu não estava convosco. Retinha-me longe de Vós aquilo que não existiria se não existisse em Vós. Mas Vós me chamastes, clamastes e rompestes a minha surdez. Brilhastes, resplandecestes e curastes a minha cegueira. Exalastes o vosso perfume: respirei-o e agora suspiro por Vós. Saboreei-Vos, e agora tenho fome e sede de Vós. Tocastes-me, e comecei a desejar ardentemente a vossa paz".

Eis que Agostinho encontrou Deus e durante toda a sua vida fez experiência dele a ponto que esta realidade que é antes de tudo encontro com uma Pessoa, Jesus mudou a sua vida, assim como muda a de quantos, mulheres e homens, em todos os tempos têm a graça de o encontrar. Rezemos para que o Senhor nos conceda esta graça e nos faça encontrar assim a sua paz.


Saudações

Dirijo cordiais boas-vindas aos peregrinos de língua italiana. Em particular, saúdo os Bispos aqui reunidos por ocasião do 40º aniversário de fundação da Comunidade de Santo Egídio, garantindo a minha recordação na oração para que se fortaleça em cada um o firme desejo de anunciar a todos Jesus Cristo, único Salvador do mundo. Saúdo com particular afecto os fiéis da Paróquia de Santa Catarina de Nardò onde me dizem que há um mar lindíssimo com um pensamento especial para os jovens músicos. Queridos amigos, agradeço-vos a vossa presença e desejo que este encontro possa aumentar em cada um a vontade de testemunhar com alegria o Evangelho na vida de cada dia. Acompanho-vos com a minha oração, para que possais edificar todos os vossos projectos sobre as bases sólidas da fidelidade a Deus. Saúdo depois os trabalhadores da Cáritas da Diocese de Sabina-Poggio Mirteto e encorajo-os a prosseguir com generosidade a sua obra em favor dos mais necessitados.

Dirijo-me, por fim, aos jovens, aos doentes e aos recém-casados. Celebra-se amanhã a memória litúrgica de São João Bosco, sacerdote e educador. Olhai para ele, queridos jovens, especialmente vós, crismandos de Serroni de Battipaglia, como para um autêntico mestre de vida. Vós, queridos doentes, aprendei da sua experiência espiritual a confiarem cada circunstância em Cristo crucificado. E vós, queridos recém-casados, recorrei à sua intercessão para assumir com empenho generoso a vossa missão de esposos.

Fonte: Vaticano

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A Dominus Iesus e as religiões (parte II)

VATICANO - “A Dominus Iesus e as religiões” de Dom Angelo Amato, Arcebispo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé (segunda parte)

Cidade do Vaticano (Agência Fides) - Graças à gentil concessão do “L’Osservatore Romano”, a Agência Fides publica o texto integral do Discurso do Ano Acadêmico 2007-2008 do Instituto Teológico de Assis, proferida por Dom Angelo Amato, Arcebispo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre o tema “A Dominus Iesus e as religiões”. A tradução foi realizada pela Agência Fides, e não foi revista pelo Autor.

A Declaração “Dominus Iesus” (2000) A dez anos de distância, ainda hoje é válida a afirmação da Comissão Teológica Internacional, que em seu documento “O Cristianismo e as religiões” (1997), afirmava: “a teologia das religiões não apresenta ainda um estatuto epistemológico bem definido” (“A Civilização Católica”, 148 (1997), I, p. 4). Em todo caso, sua finalidade é a interpretação das religiões à luz da Palavra de Deus e na perspectiva do mistério salvífico de Cristo e da Igreja.

Entre os vários modelos propostos - substancialmente três: exclusivista, inclusivista e pluralista — é teologicamente plausível o chamado modelo inclusivista, sugerido nos textos do Vaticano II (cfr Lumen gentium, n. 16-17; Ad gentes, n. 3, 7, 8, 11, 15; Nostra aetate, n. 2; Gaudium et spes, n. 22).

Este modelo apresenta um horizonte cristocêntrico-trinitário, com Jesus mediador de salvação para toda a humanidade (cfr Atos dos Apóstolos, 4, 12; 1 Timóteo, 2, 4-6). Esta interpretação, porém, é contestada pelo modelo pluralista, que, considerando a unicidade cristã um mito, propõe uma teologia pluralista das religiões e nega a universalidade salvífica da redenção cristã. Este modelo se funda substancialmente em dois pressupostos ideológicos: a aceitação do relativismo absoluto, como única possibilidade de expressar a verdade inteira, e a admissão do pluralismo religioso, como único modo de descrever o mistério inefável de Deus.

Em continuidade com o Conciíio Ecumênico Vaticano II e com a encíclica Redemptoris missio de João Paulo II, a Declaração Dominus Iesus (que chamaremos DI) da Congregação para a Doutrina da Fé, publicada durante o Grande Jubileu do Ano 2000, foi uma resposta formal do Magistério da Igreja à teologia cristã do pluralismo religioso, que, fazendo próprio o pensamento frágil da pós-modernidade, colocava em risco verdades de fé centrais do Cristianismo.

A Declaração parte dos dados bíblicos para reafirmar que a missão evangelizadora da Igreja nasce do mandato explícito de Jesus e se realiza na história mediante a proclamação do mistério de Deus Trindade, do mistério da encarnação savífica do Filho de Deus e do mistério da Igreja, sacramento universal de salvação. Estes são, com efeito, os conteúdos fundamentais da profissão de fé contida no Credo niceno-costantinopolitano, ainda hoje recitado na liturgia dominical e nas solenidades. A Declaração concorda com o afirmado por João Paulo II, segundo o qual, esta missão universal, no final do segundo milênio cristão, apesar da fidelidade do Evangelho e da perseverança no anúncio, ainda está distante de se realizar (cfr DI n. 2). É um dado concreto que a humanidade vive em pluralidade de religiões. Outra realidade é que a Igreja católica, embora não rejeitando tudo o que é verdadeiro e santo em outras religiões (Nostra
aetate, 2), não pode faltar à sua missão evangelizadora, da qual faz parte também o diálogo inter-religioso (DI n. 2).

Na prática, e no aprofundamento teórico do diálogo “o perene anúncio missionário da Igreja é hoje ameaçado por teorias de tipo relativista, que visam justificar o pluralismo religioso, não apenas de facto mas também de iure (ou de princípio)” (DI n. 4). E é a estas teorias que se dirige, primeiramente, a Declaração para contestar as premissas e rejeitar as conclusões.

Especificamos que a Declaração foi expressamente aprovada pelo Sumo Pontífice com uma fórmula de especial autoridade: «O Sumo Pontífice João Paulo II (...) com certa ciência e com a sua autoridade apostólica [certa scientia et apostolica Sua auctoritate] ratificou e confirmou esta Declaração (...) e ordenou sua publicação» (DI n. 23). O documento tem, portanto, valor magisterial universal. Não se trata de uma simples nota de orientação. Ele re-propõe verdades de fé divina e católica e verdades doutrinais firmes. Consequentemente, o consenso pedido aos fiéis é de tipo definitivo e irrevocável (veja o pronunciamento do Arcebispo Tarcisio
Bertone no “L\'Osservatore Romano” de 6 de setembro de 2000, p.9).

Ainda no Angelus de domingo, 1o de outubro de 2000, o Santo Padre reiterou explicitamente sua plena aprovação à Declaração: “No auge do ano jubilar, com a Declaração Dominus Iesus — Jesus é o Senhor — aprovada por mim de forma especial, quis convidar todos os cristãos a renovar sua adesão a Ele na alegria da fé, testemunhando unanimemente que Ele é, também hoje e amanhã, ‘o caminho, a verdade e a vida’ (João, 14.6). Nossa confissão de Cristo como único Filho, mediante o qual nós mesmos vimos o rosto do Pai (cfr Giovanni, 14, 8), não é arrogância que despreza as outras religiões, mas feliz reconhecimento porque Cristo se mostrou a nós sem algum mérito nosso. E Ele, ao mesmo tempo, nos comprometeu em continuar a doar aquilo que recebemos e também a comunicar aos outros aquilo que nos foi doado, porque a Verdade doada e o Amor que é Deus pertencem a todos os homens. Com o Apóstolo Pedro, nós confessamos ‘que em nenhum outro nome existe salvação’ (Atos dos apóstolos, 4, 12). A Declaração Dominus Iesus, na esteira do Vaticano II, mostra que com isso, a salvação não é negada aos não-cristãos. Deus doa a luz a todos de modo adequado à sua situação interior e ambiental, concedendo-lhes a graça salvífica percorrendo caminhos que ele já conhece (cfr DI n. 20-21). O Documento esclarece os elementos cristãos essenciais, que não impedem o diálogo, mas mostram suas bases, porque um diálogo sem fundamentos seria destinado a degenerar em verbosidades vazias”. (João Paulo II, Angelus de 1° de outubro de 2000, no «L\'Osservatore Romano» de 2-3 outubro 2000, pp. 8-9).

(2 - continua)

Fonte: (Agência Fides 15/2/2008)

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Mensagem de Sua Santidade o Papa Bento XVI para a Quaresma de 2008

«Cristo fez-Se pobre por vós» (cf. 2 Cor 8, 9)

Queridos irmãos e irmãs!

1. Todos os anos, a Quaresma oferece-nos uma providencial ocasião para aprofundar o sentido e o valor do nosso ser de cristãos, e estimula-nos a redescobrir a misericórdia de Deus a fim de nos tornarmos, por nossa vez, mais misericordiosos para com os irmãos. No tempo quaresmal, a Igreja tem o cuidado de propor alguns compromissos específicos que ajudem, concretamente, os fiéis neste processo de renovação interior: tais são a oração, o jejum e a esmola. Este ano, na habitual Mensagem quaresmal, desejo deter-me sobre a prática da esmola, que representa uma forma concreta de socorrer quem se encontra em necessidade e, ao mesmo tempo, uma prática ascética para se libertar da afeição aos bens terrenos. Jesus declara, de maneira peremptória, quão forte é a atracção das riquezas materiais e como deve ser clara a nossa decisão de não as idolatrar, quando afirma: «Não podeis servir a Deus e ao dinheiro» (Lc 16, 13). A esmola ajuda-nos a vencer esta incessante tentação, educando-nos para ir ao encontro das necessidades do próximo e partilhar com os outros aquilo que, por bondade divina, possuímos. Tal é a finalidade das colectas especiais para os pobres, que são promovidas em muitas partes do mundo durante a Quaresma. Desta forma, a purificação interior é corroborada por um gesto de comunhão eclesial, como acontecia já na Igreja primitiva. São Paulo fala disto mesmo quando, nas suas Cartas, se refere à colecta para a comunidade de Jerusalém (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27).

2. Segundo o ensinamento evangélico, não somos proprietários mas administradores dos bens que possuímos: assim, estes não devem ser considerados propriedade exclusiva, mas meios através dos quais o Senhor chama cada um de nós a fazer-se intermediário da sua providência junto do próximo. Como recorda o Catecismo da Igreja Católica, os bens materiais possuem um valor social, exigido pelo princípio do seu destino universal (cf. n. 2403).

É evidente, no Evangelho, a admoestação que Jesus faz a quem possui e usa só para si as riquezas terrenas. À vista das multidões carentes de tudo, que passam fome, adquirem o tom de forte reprovação estas palavras de São João: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como pode estar nele o amor de Deus?» (1 Jo 3, 17). Entretanto, este apelo à partilha ressoa, com maior eloquência, nos Países cuja população é composta, na sua maioria, por cristãos, porque é ainda mais grave a sua responsabilidade face às multidões que penam na indigência e no abandono. Socorrê-las é um dever de justiça, ainda antes de ser um gesto de caridade.

3. O Evangelho ressalta uma característica típica da esmola cristã: deve ficar escondida. «Que a tua mão esquerda não saiba o que fez a direita», diz Jesus, «a fim de que a tua esmola permaneça em segredo» (Mt 6, 3-4). E, pouco antes, tinha dito que não devemos vangloriar-nos das nossas boas acções, para não corrermos o risco de ficar privados da recompensa celeste (cf. Mt 6, 1-2). A preocupação do discípulo é que tudo seja para a maior glória de Deus. Jesus admoesta: «Brilhe a vossa luz diante dos homens de modo que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem vosso Pai que está nos Céus» (Mt 5, 16). Portanto, tudo deve ser realizado para glória de Deus, e não nossa. Queridos irmãos e irmãs, que esta consciência acompanhe cada gesto de ajuda ao próximo evitando que se transforme num meio nos pormos em destaque. Se, ao praticarmos uma boa acção, não tivermos como finalidade a glória de Deus e o verdadeiro bem dos irmãos, mas visarmos antes uma compensação de interesse pessoal ou simplesmente de louvor, colocamo-nos fora da lógica evangélica. Na moderna sociedade da imagem, é preciso redobrar de atenção, dado que esta tentação é frequente. A esmola evangélica não é simples filantropia: trata-se antes de uma expressão concreta da caridade, virtude teologal que exige a conversão interior ao amor de Deus e dos irmãos, à imitação de Jesus Cristo, que, ao morrer na cruz, Se entregou totalmente por nós. Como não agradecer a Deus por tantas pessoas que no silêncio, longe dos reflectores da sociedade mediática, realizam com este espírito generosas acções de apoio ao próximo em dificuldade? De pouco serve dar os próprios bens aos outros, se o coração se ensoberbece com isso: tal é o motivo por que não procura um reconhecimento humano para as obras de misericórdia realizadas quem sabe que Deus «vê no segredo» e no segredo recompensará.

4. Convidando-nos a ver a esmola com um olhar mais profundo que transcenda a dimensão meramente material, a Escritura ensina-nos que há mais alegria em dar do que em receber (cf. Act 20, 35). Quando agimos com amor, exprimimos a verdade do nosso ser: de facto, fomos criados a fim de vivermos não para nós próprios, mas para Deus e para os irmãos (cf. 2 Cor 5, 15). Todas as vezes que por amor de Deus partilhamos os nossos bens com o próximo necessitado, experimentamos que a plenitude de vida provém do amor e tudo nos retorna como bênção sob forma de paz, satisfação interior e alegria. O Pai celeste recompensa as nossas esmolas com a sua alegria. Mais ainda: São Pedro cita, entre os frutos espirituais da esmola, o perdão dos pecados. «A caridade – escreve ele – cobre a multidão dos pecados» (1 Pd 4, 8). Como se repete com frequência na liturgia quaresmal, Deus oferece-nos, a nós pecadores, a possibilidade de sermos perdoados. O facto de partilhar com os pobres o que possuímos, predispõe-nos para recebermos tal dom. Penso, neste momento, em quantos experimentam o peso do mal praticado e, por isso mesmo, se sentem longe de Deus, receosos e quase incapazes de recorrer a Ele. A esmola, aproximando-nos dos outros, aproxima-nos de Deus também e pode tornar-se instrumento de autêntica conversão e reconciliação com Ele e com os irmãos.

5. A esmola educa para a generosidade do amor. São José Bento Cottolengo costumava recomendar: «Nunca conteis as moedas que dais, porque eu sempre digo: se ao dar a esmola a mão esquerda não há de saber o que faz a direita, também a direita não deve saber ela mesma o que faz » (Detti e pensieri, Edilibri, n. 201). A este propósito, é muito significativo o episódio evangélico da viúva que, da sua pobreza, lança no tesouro do templo «tudo o que tinha para viver» (Mc 12, 44). A sua pequena e insignificante moeda tornou-se um símbolo eloquente: esta viúva dá a Deus não o supérfluo, não tanto o que tem como sobretudo aquilo que é; entrega-se totalmente a si mesma.

Este episódio comovedor está inserido na descrição dos dias que precedem imediatamente a paixão e morte de Jesus, o Qual, como observa São Paulo, fez-Se pobre para nos enriquecer pela sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9); entregou-Se totalmente por nós. A Quaresma, nomeadamente através da prática da esmola, impele-nos a seguir o seu exemplo. Na sua escola, podemos aprender a fazer da nossa vida um dom total; imitando-O, conseguimos tornar-nos disponíveis para dar não tanto algo do que possuímos, mas darmo-nos a nós próprios. Não se resume porventura todo o Evangelho no único mandamento da caridade? A prática quaresmal da esmola torna-se, portanto, um meio para aprofundar a nossa vocação cristã. Quando se oferece gratuitamente a si mesmo, o cristão testemunha que não é a riqueza material que dita as leis da existência, mas o amor. Deste modo, o que dá valor à esmola é o amor, que inspira formas diversas de doação, segundo as possibilidades e as condições de cada um.

6. Queridos irmãos e irmãs, a Quaresma convida-nos a «treinar-nos» espiritualmente, nomeadamente através da prática da esmola, para crescermos na caridade e nos pobres reconhecermos o próprio Cristo. Nos Actos dos Apóstolos, conta-se que o apóstolo Pedro disse ao coxo que pedia esmola à porta do templo: «Não tenho ouro nem prata, mas vou dar-te o que tenho: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda» (Act 3, 6). Com a esmola, oferecemos algo de material, sinal do dom maior que podemos oferecer aos outros com o anúncio e o testemunho de Cristo, em cujo nome temos a vida verdadeira. Que este período se caracterize, portanto, por um esforço pessoal e comunitário de adesão a Cristo para sermos testemunhas do seu amor. Maria, Mãe e Serva fiel do Senhor, ajude os crentes a regerem o «combate espiritual» da Quaresma armados com a oração, o jejum e a prática da esmola, para chegarem às celebrações das Festas Pascais renovados no espírito. Com estes votos, de bom grado concedo a todos a Bênção Apostólica.

Vaticano, 30 de Outubro de 2007.

BENEDICTUS PP. XVI


Fonte: ACI Digital

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

A Dominus Iesus e as religiões (parte I)

VATICANO - “A Dominus Iesus e as religiões” de Dom Angelo Amato, Arcebispo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé (primeira parte)

Cidade do Vaticano (Agência Fides) - Graças à gentil concessão do “L’Osservatore Romano”, a Agência Fides publica o texto integral do discurso do Ano Acadêmico 2007-2008 do Instituto Teológico de Assis, proferida por Dom Angelo Amato, Arcebispo Secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre o tema “A Dominum Iesus e as religiões”. A tradução em português é de autoria da Agência Fides, e não foi revista pelo Autor.

Em 1990, o Servo de Deus João Paulo II, em sua encíclica missionária Redemptoris missio, afirmou que a missão de Cristo redentor, confiada à Igreja, estava bem distante de sua realização, e que, estava ainda no começo.

E ainda, evocando as palavras de São Paulo — “Anunciar o Evangelho não é glória para mim; é uma obrigação que se me impõe. Ai de mim, se eu não anunciar o Evangelho!” (1 Coríntios, 9, 16) — relevou que, em suas numerosas viagens, até os confins mais extremos da terra, o contato direto com os povos que não conhecem Cristo o convenceu sempre mais sobre a urgência da missão, que pertence à identidade profunda da Igreja, fundada dinamicamente na própria missão trinitária. Enfim, considerando que a fé se reforça, ao doá-la, definia a missão como o primeiro serviço que a Igreja podia doar aos homens e à humanidade, pois o anúncio da redenção atuada por Cristo mediante a cruz, restituiu ao homem a dignidade e o real sentido de sua existência no mundo.

A missio ad gentes

Todavia, o Pontífice não podia ocultar “uma tendência negativa”, ou seja, que a missão específica ad gentes estava em fase de estagnação: “Dificuldades internas e externas enfraqueceram o impulso missionário da Igreja aos não-cristãos, e este é um fator que deve preocupar todos os cristãos” (Redemptoris missio, 2).

Para enfrentar esta preocupação, ele re-propô,s nos primeiros capítulos da encíclica, três alicerces doutrinais sólidos: 1. o anúncio de Jesus Cristo como salvador único de toda a humanidade, e de sua Igreja como sinal e instrumento de salvação, 2. a realização completa do Reino de Deus em Cristo ressuscitado, 3. a presença do Espírito de Jesus Cristo como protagonista da missão.

Após indicar os imensos horizontes da missio ad gentes, assinalou também os “caminhos” concretos para realizá-las. Antes de tudo, o testemunho, em seguida o primeiro anúncio de Cristo Salvador, a conversão e o batismo. Outros caminhos são: a formação das Igrejas locais e das comunidades eclesiais de base; a inculturação do Evangelho; o diálogo com os irmãos de outras religiões; a promoção do desenvolvimento e, enfim, o testemunho da caridade, fonte e critério da missão.

Como notamos, entre os caminhos da missão está também o diálogo inter-religioso, que não constitui um caminho primário, já que os caminhos principais são o anúncio, a conversão e o batismo. Além disso, o Papa não situa o diálogo fora da missão ad gentes. A partir do momento que a salvação provém de Cristo, ele reafirma que “o diálogo não prescinde da evangelização”. É preciso compor o anúncio de Cristo e o diálogo inter-religioso no âmbito da missio ad gentes. Não se pode confundi-los, deturpa-los, e nem julga-los “equivalentes como se fossem intercambiáveis” (Ivi, 55).

Pode-se questionar, portanto, que acolhimento esta encíclica recebeu entre a comunidade eclesial em geral, e por parte dos teólogos, em especial. Pode-se dizer que a encíclica foi recebida com admiração, mas foi imediatamente qualificada como “encíclica missionária”: foram destacadas a pastoral e a espiritualidade missionária. Por sua vez, os teólogos mantiveram uma atitude cauta, quase de desatenção, por dois motivos: aqueles que - principalmente na área asiática e norte-americana - haviam já elaborado uma própria teologia pluralista das religiões não podiam concordar com a posição do Papa. Os outros, sobretudo os teólogos europeus, ainda não haviam sido sensibilizados sobre diversas teorias da teologia das religiões. Para eles, a encíclica era pouco inovadora, já que apenas reiterava a bem conhecida afirmação de fé sobre a universalidade salvífica de Cristo e de sua Igreja. Além disso, a reflexão sobre o diálogo inter-religioso, no ocidente, estava no início.

Em todo caso, a encíclica teve o mérito de abrir uma década marcada justamente pela questão teológica sobre o significado e o valor salvífico das outras religiões, a partir da revelação cristã. Naquele período, delinearam-se com bastante clareza as várias propostas da teologia das religiões, uma nova disciplina, que anteriormente se limitava ao âmbito específico da missiologia, e que hoje pertence aos da metodologia teológica. (1 - continua)

Fonte: (Agência Fides 8/2/2008)

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Rejeitar todas as formas contrárias ao respeito pela vida humana

Por ocasião da Campanha da Fraternidade que se realiza no Brasil durante o período quaresmal, Sua Santidade Bento XVI enviou a D. Geraldo Lyrio Rocha, Presidente da CNBB e Arcebispo de Mariana (MG), a seguinte Mensagem:

Ao Venerável Irmão
no Episcopado
D. Geraldo LYRIO ROCHA
Presidente da CNBB
Arcebispo de Mariana

Ao iniciar o itinerário espiritual da Quaresma a caminho da Páscoa da ressurreição do Senhor, desejo uma vez mais aderir à Campanha da Fraternidade que, neste ano de 2008, está subordinada ao tema "Fraternidade e Defesa da Vida" e ao lema "Escolhe, pois, a vida". É um tempo de conversão de todos os cristãos, no sentido de buscar uma fidelidade ainda maior ao Deus criador e doador da vida.
Meu Venerável predecessor, o Papa João Paulo II, na Encíclica Evangelium vitae, pôs em evidência a mentalidade individualista e hedonista que, com uma concepção distorcida da ciência, foi causa de novas violações da vida, em particular do aborto e da eutanásia. Certamente, todas as ameaças à vida devem ser combatidas; o Concílio Vaticano II, ao condenar tudo quanto se opõe à vida ou viola a integridade da pessoa humana e a sua dignidade, recordava que tudo isso "desonra mais aqueles que assim procedem, do que os que padecem injustamente" tais atitudes, pois ofendem gravemente a honra devida ao Criador (cf. Cons. Gaudium et spes, 27).
Por isso, no Discurso Inaugural da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, quis recordar que os caminhos que traçam uma cultura sem Deus e sem os seus mandamentos, ou inclusive contra Deus, terminam sendo "uma cultura contra o ser humano e contra o bem dos povos latino-americanos" (n. 4).
O Documento final de Aparecida nos mostra que o encontro com Cristo é o ponto de partida para a negação desses caminhos de morte e a escolha da vida; mas é também o ponto de onde partimos para reconhecer plenamente a sacralidade da vida e a dignidade da pessoa humana (cf. n. 356). Ao dar início à Campanha da Fraternidade deste ano, renovo a esperança de que as diversas instâncias da sociedade civil queiram solidarizar-se com a vontade popular que, na sua maioria, rejeita todas as formas contrárias às exigências éticas de justiça e de respeito pela vida humana desde o seu início até o seu fim natural.
Com estes auspícios, invoco a proteção do Senhor, para que sua mão benfazeja se estenda por todo o Brasil, e que a vida nova em Cristo atinja o ser humano por inteiro em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural, derramando seus dons de paz e prosperidade e desperte em cada coração sentimentos de fraternidade e de viva cooperação. Com uma especial Bênção Apostólica.
Vaticano, 8 de dezembro de 2007.



Fonte: L'Osservatore Romano

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Católicas pelo Direito de Decidir: o bode da Campanha da Fraternidade 2008

Por Alberto Zucchi


Provocou justa indignação a presença de depoimento de uma representante do movimento que defende o aborto, e que impropriamente se denomina, Católicas pelo Direito de Decidir, no vídeo da Campanha da Fraternidade 2.008, com o tema Escolhe, pois, a vida. Ingenuamente, alguém poderia esperar que a CNBB utilizasse essa campanha como uma defesa da vida e da doutrina católica, contra aqueles que propugnam o aborto, a destruição de embriões humanos, a eutanásia. A revolta nos meios católicos pela inclusão nesse DVD da CNBB do depoimento de uma "Católica pelo Direito de Decidir”, fez com que fosse produzida uma 2ª. edição do vídeo, excluindo a representante dessa associação.

Alguns lamentam o fato de tradicionais defensores da vida, como por exemplo, o Padre Luiz Carlos Lodi, a Dra. Alice Teixeira, a Dra. Lílian Piñero, o Dr. Paulo Leão, a Dra. Maria Dolly Guimarães, que juntamente conosco estiveram presentes na luta em defesa da vida, desde a discussão sobre a utilização de células troncas embrionárias, não terem sido convidados a participar do vídeo. Na realidade, é uma grande honra para todos eles não terem sido chamados a participar dessa farsa.

A exclusão final das falsas católicas da CDD, entretanto, nada alterou a essência do vídeo que continuou a ser escandaloso, pois, de fato, ao invés de fazer a defesa da vida, o DVD produzido pela Conferência Episcopal brasileira é apenas um disfarçado instrumento de difusão, da já diversas vezes condenada, teologia da libertação, e certamente prejudicial à luta contra o aborto.

Os responsáveis pelo vídeo tiveram a preocupação de que os "homens de boa vontade" pudessem participar dessa produção, pois palavras como oração, vida sobrenatural, e outras próprias à religião católica foram completamente excluídas. Nem mesmo as mais elementares recomendações morais católicas para a produção de um vídeo foram observadas. É um DVD completamente laico e naturalista o produzido pela CNBB. Poderia ser um DVD ateu.

No vídeo produzido para a CNBB, uma entidade que também se afirma católica, em nenhum momento cita-se o Papa Bento XVI, não há uma única referência à visita do Papa ao Brasil, aos seus discursos contra as leis que atentam contra vida humana. Em nenhum depoimento foi lembrado que o Vaticano produziu uma grande quantidade de documentos e material muito úteis na defesa da doutrina católica sobre a vida, como por exemplo, o Léxico do Conselho Pontifício para a Família, recentemente publicado em português, mas sempre ausente das livrarias católicas. Quem vê o vídeo da CNBB, fica com a clara impressão de um verdadeiro cisma entre a CNBB e as autoridades do Vaticano. Não é uma honra ter sido excluído de um local onde também o Papa foi impedido de entrar?

Estaríamos exagerando em nossas afirmações? Vejamos, por exemplo, o que pensa, um dos principais protagonistas do vídeo, o ex-padre e atual professor da PUC, Fernando Altemeyer Júnior:
"O papa não é a Igreja, o papa espelha um catolicismo oficial, que representa apenas uns 10% dos católicos do mundo. É como se fosse a ponta de um icebergue, os outros 90% ficam debaixo de água". (http://www.reflexodigital.com/index.php?cat=42&item=2026&PHPSESSID=6dd3f47623fb09671a22d9ee600f9d8a)
E esse Padre, que abandonou a batina, dirige o ensino de religião na PUC de São Paulo e participou do DVD da CNBB, minimizando o Papel do Papa.
Veja-se ainda o que pensa ele sobre a obediência que os padres devem ao Vaticano:
"Há uma certa esquizofrenia, sim. Os brasileiros aplaudem o discurso do Vaticano, mas dentro de casa o que se segue é outra coisa. A mesma postura é adotada por muitos dos padres brasileiros. Eles seguem a orientação do Vaticano de uma maneira geral, mas, quando se está na frente de um fiel, é preciso adequar a estrutura moral à realidade humana". (http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u25097.shtml
Teria aceitado ele a condenação à Teologia da Libertação? Vejamos:
"Um exemplo da intolerância do papa, na opinião de Altemeyer, pôde ser vista no Brasil. O frei Leonardo Boff, por exemplo, foi punido duas vezes por sua atuação social, e acabou deixando a igreja. Altemeyer, que já foi padre e é partidário da Teologia da Libertação, não acha, no entanto, que o conservadorismo do papa João Paulo 2º é levado ao pé da letra pelos padres ou fiéis brasileiros". (http://www1.folha.uol.com.br/folha/bbc/ult272u25097.shtml)

É, portanto, natural que em um vídeo em que participe esse ex-padre, o Papa seja esquecido.
Apesar de ter "esquecido" do Papa, a CNBB não esqueceu de pedir dinheiro, apresentando no vídeo diversas formas com as quais os católicos podem enviar recursos aos defensores da Teologia da Libertação.

Apesar de insistir sobre os problemas materiais de nossa sociedade a CNBB, desta vez, esqueceu da corrupção. O PT, partido da Teologia da Libertação foi poupado.

Distante do Vaticano e do Papa, a CNBB convidou para participar do vídeo, teólogos da libertação, políticos de esquerda e ilustres desconhecidos, talvez com alguma desonrosa exceção, na luta em defesa da vida. O resultado é a uma indisfarçável simpatia pela luta de classes, como, por exemplo, na absurda e herética afirmação, do já referido ex-padre Fernando Altmeyr Jr. de que "fora dos pobres não há salvação" (DVD Escolhe, pois, a Vida, bloco II – Ver-Julgar-Agir). Por dever com a verdade, entretanto, devemos dizer que a aparência de todos os protagonistas, especialmente do autor da herética frase, está bem longe de demonstrar pobreza.

Assim, no vídeo que deveria defender a vida não há uma única condenação do aborto, apenas uma única vez se critica a utilização de células-tronco embrionárias como se fosse uma mera opinião da Igreja, a condenação da eutanásia é feita de forma confusa e com muitas ressalvas. Não se faz a defesa e a valorização da família, não se alerta para o perigo da lei de homofobia que poderá desencadear uma verdadeira perseguição religiosa no Brasil.

Pelo contrário, o vídeo está recheado de afirmações demagógicas, vagas e absolutamente inúteis aos defensores da vida, como por exemplo, a de uma professora que afirma que "a primeira coisa que devemos conseguir é que a criança o aluno se ame". Ou ainda, a afirmação do Padre Carlos Josaphat de que "a vida não é o lado produtivo". Também este padre não esquece de promover a luta de classes, distorcendo completamente os ensinamentos da Bíblia com a absurda interpretação de que os Profetas do Antigo Testamento tinham predileção pelos pobres.

O Padre Josaphat é mais um dos protagonistas do vídeo a não dar importância ao que a Igreja ensina. Veja-se na entrevista a seguir, concedida à Folha de São Paulo, como ele destaca a importância da orientação médica e não da Igreja.
"Sinapse - O que o sr. pensa sobre a utilização de métodos contraceptivos artificiais, um dos dogmas da igreja?
Josaphat - Essa questão envolve vários aspectos. Um deles é o dos casais que querem planejar a vida da família. A igreja diz que eles só devem usar métodos naturais de contracepção. Acredito que o homem e a mulher, com uma correta orientação médica, devem escolher o método, natural ou artificial, que mais lhes convém. A posição deles deve ser respeitada pelos padres. Método é meio, e o meio é empregado da maneira mais ajustada aos bons fins que se deseja alcançar. Em relação à Aids, a questão é evitar o contágio. Se a pessoa optou pela promiscuidade, pelo menos deve empregar o preservativo, para não cometer duas faltas: ter vida promíscua e espalhar um mal grave. Quem diz que não se deve usar preservativos pode estar cometendo um crime, pois pode fazer com que ocorra a contaminação de muitas pessoas." Folha de São Paulo, Entre o céu e a terra - 30/3/2005.
Alguns dos protagonistas do vídeo preocupam-se ainda em dar conselhos práticos para a Defesa da Vida. Nesses conselhos, ninguém comenta sobre as leis abortistas e contra a família que foram aprovadas ou estão em discussão no Congresso Nacional, muito menos os católicos são orientados a pedir a Deus e a Nossa Senhora, sua proteção. O agir para os protagonistas do vídeo, como por exemplo, o Dr. Klaudio Koffani Nunes consiste em "dialogo, promover reuniões, cuidar de gente que sofre, espaço para as crianças serem atendidas, espaço para morar, ambiente escolar". Sem dúvida estes são os conselhos apropriados para quem deseja deter a luta contra o aborto.

Nesta mesma linha o Pe. Leo Pessini trata da Bioética. Sem tocar na questão do aborto, e pisando em brasas sobre o assunto células-tronco embrionárias, o Padre Leo faz uma confusa crítica à eutanásia e pede para que as comunidades verifiquem como estão as crianças, os idosos e onde estão as pessoas deficientes e doentes. Teria esquecido o padre Leo Pessini de tratar do que interessa, ou quis ele esconder a sua verdadeira opinião?

Quando esteve participando do Congresso de Bioética na China, Padre Leo, publicou suas impressões sobre aquele pais. Veja com que indiferença, ou melhor, com que simpatia e compreensão pela cultura da China comunista ele trata do problema da prática do aborto, como se este prática fosse equivalente a um problema com a plantação de chuchus:
"... o controle da natalidade, na China, é levado avante com mão de ferro pelo governo, com a aplicação da política one child policy (1979), ou seja, só é permitida uma criança por casal. Enquanto visitávamos locais interessantes de Pequim, a guia que nos explicava a realidade cultural e social chinesa, ao entrar nessa questão, "a geração dos que se sentem sozinhos, pois não têm irmãos ou irmãs" como fruto dessa política. Se surgir uma segunda gravidez, o casal praticamente é obrigado a abortar, além de pagar uma pesada multa; perde o emprego e, além disso, passa a ser estigmatizado. Nesse contexto, o aborto acaba sendo um método normal de controle de natalidade. A preferência por nascituro masculino é apontada como sendo uma das causas para que se criasse um desequilíbrio gigantesco na relação numérica entre homens e mulheres. Faltam aproximadamente quarenta milhões de mulheres na China. Faltam meninas porque são abortadas por médicos a pedido dos futuros pais, que têm preferência por meninos, ou morreram por negligência como recém-nascidos ou bebês. Num contexto cultural sexista, a mulher grávida é obrigada a ir ao hospital para a identificação de sexo e, caso o feto seja identificado como feminino, a mulher é fortemente pressionada para abortar. Um livro lançado recentemente em inglês, comentado no congresso, retrata toda essa problemática: Behind the silence: chinese voices on abortion -Atrás do silêncio: vozes chinesas sobre o aborto (Nie Jing Bao, 2005).

Para tentar evitar que esse desequilíbrio aumente o número de abortos de fetos femininos, a política atual do governo proíbe a realização de ultra-som por motivos não médicos, com o objetivo de revelar o sexo do nascituro. Com a infração dessa regra, o profissional médico corre o risco de ter sua licença de exercício profissional cassada. Esta situação populacional chinesa, de desequilíbrio entre o número de nascimentos de homens e mulheres, foi discutida no Congresso, num simpósio especial, patrocinado pela Função Ford (EUA). A questão vem preocupando o Presidente chinês Hu Jintao, e um plano de ação para corrigir essa distorção populacional vem sendo estudado". (Revista PUC VIVA no. 27)
Para um padre com esta mentalidade, não é de surpreender que no vídeo apresente como cuidados para o fim da vida "as questões físicas, psíquico-afetivas e esperança", que ele diz ser "espiritualidade". Nada fala este Padre sobre a alma e a vida após a morte. Certamente um padre tão moderno, admirador da sociedade chinesa, já terá superado esses velhos dogmas do cristianismo.

O vídeo traz ainda a presença do Dr. Hélio Bicudo. Realmente é difícil encontrar políticos comprometidos com a doutrina da Igreja, mas certamente o Dr. Bicudo não seria esse representante. Apesar de seus discursos contra o aborto é conhecida a sua ausência do plenário da Comissão de Constituição Justiça e Redação, em 1996, que permitiu a aprovação do projeto que regulamentava o aborto nos casos de estupro.

Dr. Bicudo foi coerente, também no vídeo se omitiu, não quis atacar o aborto, para ele em relação a questão da vida é importante tratar da indiferença diante das pessoas vitimadas em vias públicas, e do judiciário que esta voltado para interesses econômicos. As clinicas de aborto clandestinas não merecem a menor atenção e nenhum comentário.

Existe ainda um depoimento da Irmã Nelly Booner que apresenta um sistema para recuperação de presos chamado "Escola de Perdão e Reconciliação". Como sempre uma visão totalmente naturalista, com algumas frases que chamam a atenção como por exemplo, que "a raiva é importante para mobilizar as pessoas". Traduzindo para uma linguagem mais clara, a Irmã Booner ressalva que um militante de esquerda, provavelmente do PT, sem raiva, não pode ser mobilizado. Tal apresentação, de fato, tira o foco das questões fundamentais.

No final da encenação em defesa da vida uma apresentação do Amparo Maternal, uma maternidade gratuita. Sem dúvida, do ponto de vista natural, um bom trabalho, mas o vídeo apresenta casos de mulheres que aparentemente engravidaram sem desejar, uma é muito jovem e muito pobre, outra já tem onze filhos e não pode cuidar de nenhum deles, outra foi abandonada pelo marido. Não são esses os exemplos utilizados pelos defensores do aborto? Em nenhum momento o caso do Amparo é apresentado como uma prova de que não há necessidade do aborto. E de repente entre em cena Dom Arns, como Pilatos no Credo, se bem que não se pode comparar o vídeo com o Credo. Mas como poderia faltar a propaganda do grande impulsionador da Teologia da Libertação?

No Amparo Maternal as crianças são alimentadas, mas nada se fala sobre o batismo, as mães recebem instrução profissional, mas não religiosa, sobre um padre para as necessidades de confissão, nem pensar. Certamente, a ausência das orientações religiosas contribuiu para que o Governador José Serra não tenha se sentido constrangido em defender efusivamente a distribuição gratuita de anticoncepcionais nas estações do Metrô e da CPTM, em discurso proferido nas dependências do próprio Amparo. (http://www.saopaulo.sp.gov.br/sis/lenoticia.php?id=87681)

Acreditamos que apesar de ser um vídeo oficial da CNBB, poucos bispos tenham tido efetiva participação na sua elaboração. Mas não se preocuparam eles em conhecer esse material e entrar em contato com a CNBB para protestar? Não se tem notícia de um único Bispo que se tenha posicionado contra tamanho absurdo representado por esse DVD naturalista e não católico da CNBB. Não é dever dos Bispos alertar ao Vaticano que essa pseudo defesa da vida, é na realidade uma mal disfarçada campanha em favor da Teologia da Libertação, que se esconde, agora, talvez com receio de uma nova condenação? Porque não se pronunciam certos Bispos que pretendem representar o "magistério vivo" e que se colocam como seguidores do Papa e dos ensinamentos tradicionais da Igreja?

Permanecem eles em viagens com finalidades de arrecadar fundos para suas obras, ao invés de protestarem contra essa má orientação aos católicos e esta revolta silenciosa contra Roma?

A exclusão posterior do depoimento da representante das Católicas pelo Direito de Decidir, somente retirou o bode da sala, mas a sujeira, a desordem, e a revolta da Campanha da Fraternidade continuam a mesma de sempre.

O vídeo nos leva a duas considerações. A primeira é que não podemos nem devemos contar com a CNBB, o que resta a fazer, já que os Bispos se omitem, é recorrer ao Vaticano para que, o quanto antes, intervenha nessa instituição episcopal para que ela retorne a seguir as orientações do Papa.

A segunda é que apesar desta traição os verdadeiros defensores da vida não devem desistir de sua luta, temos obrigação de continuar combatendo. A justiça está do nosso lado e a vitória é certa, não por causa de nossas qualidades, mas pela promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo, "as portas do inferno não prevalecerão contra ela". Ademais, temos a proteção de Nossa Mãe Maria Santíssima que em Fátima nos prometeu, "por fim o meu Imaculado Coração triunfará".

Fonte: Montfort.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Fetos chutam tumor de útero e salvam a vida da mãe


Agradecemos a Rogério Amaral Silva por enviar a notícia.

Nesses tempos de cultura da morte, a própria vida vem se manifestar...

Ó mãe eu não te mereço, porém de ti necessito!

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Terça, 5 de fevereiro de 2008, 10h16

Fetos chutam tumor de útero e salvam a vida da mãe

Uma britânica que descobriu um câncer durante a gravidez foi salva pelos chutes dos fetos, que expulsaram parte do tumor.

Michelle Stepney, 35 anos, estava grávida de gêmeas quando foi levada para o hospital com um sangramento.

No início, os médicos suspeitaram de um aborto, mas logo descobriram que ela estava com câncer cervical e que acabara de expelir um pedaço do tumor do colo do útero.

"Eu não poderia imaginar que os chutes que eu sentia seriam tão importantes. Eu mal pude acreditar quando os médicos disseram que os movimentos tinham expulsado o tumor", diz Michelle.

Os oncologistas sugeriram que ela fizesse quimioterapia e retirasse o útero para remover o câncer por completo, o que significaria o fim da gravidez.

Michelle conta que, depois de muito refletir, decidiu seguir em frente com a gestação e foi submetida a doses limitadas de quimioterapia, aplicadas a cada 15 dias.

As gêmeas, Alice e Harriet, nasceram na 33ª semana de gravidez de cesariana. As meninas estavam em perfeito estado de saúde, mas nasceram sem cabelo por causa dos efeitos da quimioterapia.

Quatro semanas depois do parto, Michelle foi submetida a uma cirurgia para retirada do tumor e do útero. Os médicos acreditam que ela esteja curada.

A britânica disse que deve "a vida às filhas".

No dia 12 de fevereiro, Michelle receberá o prêmio "Mulher de Coragem" do Cancer Research UK, um centro na Grã-Bretanha dedicado a pesquisas sobre o câncer.

BBC Brasil

Fonte: http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI2338566-EI298,00.html


Audiência Geral - Se o mundo envelhece Cristo é sempre jovem


PAPA BENTO XVI

AUDIÊNCIA GERAL

Sala Paulo VI

Quarta-feira, 16 de Janeiro de 2008

Santo Agostinho (2)

Queridos irmãos e irmãs!

Hoje, como na passada quarta-feira, gostaria de falar do grande Bispo de Hipona, Santo Agostinho. Quatro anos antes de morrer, ele quis nomear o sucessor. Por isso, a 26 de Setembro de 426, reuniu o povo na Basílica da Paz, em Hipona, para apresentar aos fiéis aquele que tinha designado para tal tarefa. Disse: "Nesta vida somos todos mortais, mas o último dia desta vida é para cada indivíduo sempre incerto. Contudo, na infância espera-se chegar à adolescência; na adolescência à juventude; na juventude à idade adulta; na idade adulta à maturidade; na idade madura à velhice. Não se tem a certeza de a alcançar, mas espera-se. A velhice, ao contrário, não tem diante de si outro período no qual esperar; a sua própria duração é incerta... Eu por vontade de Deus cheguei a esta cidade no vigor da minha vida; mas agora a minha juventude passou e eu já sou velho" (Ep 213, 1). Nesta altura Agostinho pronunciou o nome do sucessor designado, o sacerdote Heráclito. A assembleia explodiu num aplauso de aprovação repetindo vinte e três vezes: "Deus seja louvado! Deus seja louvado!". Com outras aclamações os fiéis aprovaram, além disso, quanto Agostinho disse depois sobre os propósitos para o seu futuro: queria dedicar os anos que lhe restavam a um estudo mais intenso das Sagradas Escrituras (cf. Ep 213, 6).

De facto, seguiram-se quatro anos de extraordinária actividade intelectual: realizou obras importantes, empreendeu outras não menos empenhativas, fez debates públicos com os hereges procurava sempre o diálogo interveio para promover a paz nas províncias africanas assediadas pelas tribos bárbaras do sul. Neste sentido escreveu ao conde Dário, que foi à África para resolver a discórdia entre o conde Bonifácio e a corte imperial, da qual se estavam a aproveitar as tribos dos Mauritanos pelas suas incursões: "O maior título de glória afirmava na carta é precisamente o de suprimir a guerra com as palavras, em vez de matar os homens com a espada, e procurar ou manter a paz com a paz e não com a guerra. Sem dúvida, também os que combatem, se são bons, procuram sem dúvida a paz, mas à custa do derramamento de sangue. Tu, ao contrário, foste enviado precisamente para impedir que se procure derramar o sangue de alguém" (Ep 229, 2). Infelizmente, a esperança de uma pacificação dos territórios africanos foi desiludida: em Maio de 429 os Vândalos, convidados para a África por vingança pelo próprio Bonifácio, passaram o estreito de Gibraltar e invadiram a Mauritânia. A invasão atingiu rapidamente as outras ricas províncias africanas. Em Maio ou em Junho de 430 "os destruidores do império romano", como Possídio qualifica aqueles bárbaros (Vita, 30, 1), estavam em volta de Hipona, que assediaram.

Na cidade tinha procurado refúgio, o qual, tendo-se reconciliado demasiado tarde com a corte, procurava agora em vão impedir o caminho aos invasores. O biógrafo Possídio descreve o sofrimento de Agostinho: "As lágrimas eram, mais do que o habitual, o seu pão noite e dia e, tendo já chegado ao extremo da sua vida, mais que os outros arrastava à amargura e ao luto a sua velhice (Vida, 28, 6). E explica: "De facto, aquele homem de Deus via os massacres e as destruições das cidades; destruídas as casas no campo e os habitantes mortos pelos inimigos ou afugentados e desorientados; as igrejas privadas dos sacerdotes e dos ministros, as virgens sagradas e os religiosos dispersos por toda a parte; entre eles, outros mortos sob as torturas, outros assassinados pela espada, outros feitos prisioneiros, perdida a integridade da alma e do corpo e também a fé, reduzidos em dolorosa e longa escravidão pelos inimigos" (ibid., 28, 8).

Mesmo idoso e cansado, Agostinho conquistou contudo sempre simpatias, confortando-se a si mesmo e aos outros com a oração e a meditação sobre os misteriosos desígnios da Providência. Falava, a este propósito, da "velhice do mundo" e verdadeiramente era velho esse mundo romano falava desta velhice como já tinha feito anos antes para confortar os prófugos provenientes da Itália, quando em 410 os Godos de Alarico tinham invadido a cidade de Roma. Na velhice, dizia, os doentes abundam: tosse, catarro, remela, ansiedade, esgotamento. Mas se o mundo envelhece, Cristo é perpetuamente jovem. E então o convite: "Não rejeitar rejuvenescer unido a Cristo, também no mundo velho. Ele diz-te: Não temas, a tua juventude renovar-se-á como a da águia" (cf. Serm. 81, 8). Por conseguinte, o cristão não deve desanimar mesmo em situações difíceis, mas empenhar-se por ajudar quem está em necessidade. É quanto o grande Doutor sugere respondendo ao Bispo de Tiabe, Honorato, que lhe tinha pedido se, sob as ameaças das invasões bárbaras, um Bispo, um sacerdote ou um homem qualquer de Igreja pudesse fugir para salvar a vida: "Quando o perigo é comum a todos, isto é, a Bispos, clérigos e leigos, os que têm necessidade dos outros não sejam abandonados por aqueles dos quais têm necessidade. Neste caso transfiram-se todos para lugares seguros; mas se alguns têm necessidade de permanecer, não sejam abandonados por aqueles que têm o dever de os assistir com o ministério sagrado, de modo que se salvem juntamente ou juntos suportem as calamidades que o Pai de família quiser que sofram" (Ep 228, 2). E concluía: "Esta é a prova suprema da caridade" (ibid., 3). Como não reconhecer, nestas palavras, a mensagem heróica que tantos sacerdotes, aol ongo dos séculos, acolheram e fizeram própria?

Entretanto a cidade de Hipona resistia. A casa-mosteiro de Agostinho tinha aberto as suas portas para acolher os colegas no episcopado que pediam hospitalidade. Entre eles encontrava-se também Possídio, já seu discípulo, o qual pôde assim deixar-nos o testemunho directo daqueles últimos e dramáticos dias. "No terceiro mês daquela invasão narra ele caiu de cama com febre: era a sua última doença" (Vita, 29, 3). O santo idoso aproveitou daquele tempo finalmente livre para se dedicar com mais intensidade à oração. Costumava afirmar que ninguém, Bispo, religioso ou leigo, por mais irrepreensível que possa parecer o seu comportamento, pode encarar a morte com uma adequada penitência. Por isso ele repetia continuamente entre lágrimas os salmos penitenciais, que tantas vezes recitara com o povo (cf. ibid., 31, 2).

Quanto mais se agravava a doença, mais o Bispo moribundo sentia necessidade de solidão e de oração: "Para não ser incomodado por ninguém no seu recolhimento, cerca de dez dias antes de sair do corpo implorou a nós presentes para não deixar entrar ninguém no seu quarto fora das horas em que os médicos iam visitá-lo ou quando lhe levavam as refeições. A sua vontade foi cumprida exactamente e durante todo aquele tempo ele dedicava-se à oração" (ibid., 31, 3). Cessou de viver a 28 de Agosto de 430: o seu grande coração tinha-se finalmente aplacado em Deus.

"Para a deposição do seu corpo informa Possídio foi oferecido a Deus o sacrifício, ao qual nós assistimos, e depois foi sepultado" (Vita, 31, 5). O seu corpo, em data incerta, foi transferido para a Sardenha e dali, por volta de 725, para Pavia, na Basílica de São Pedro "in Ciel d'oro", onde repousa ainda hoje. O seu primeiro biógrafo tem sobre ele este juízo conclusivo: "Deixou à Igreja um clero muito numeroso, assim como mosteiros de homens e de mulheres cheios de pessoas dedicadas à continência sob a obediência dos seus superiores, juntamente com as bibliotecas que contêm livros e discursos seus e de outros santos, dos quais se conhece qual foi por graça de Deus o seu mérito e a sua grandeza na Igreja, e nos quais os fiéis sempre o encontram vivo" (Possídio, Vita, 31, 8). Trata-se de uma afirmação à qual nos podemos associar: nos seus escritos também nós o "encontramos vivo". Quando leio os escritos de Santo Agostinho não tenho a impressão que é um homem morto mais ou menos há mil e seiscentos anos, mas sinto-o como um homem de hoje: um amigo, um contemporâneo que me fala, que fala a nós com a sua fé vigorosa e actual. Em Santo Agostinho que nos fala, fala a mim nos seus escritos, vemos a actualidade permanente da sua fé; da fé que vem de Cristo, Verbo Eterno Encarnado, Filho de Deus e Filho do homem. E podemos ver que esta fé não é de ontem, mesmo tendo sido pregada ontem; é sempre de hoje, porque Cristo é realmente ontem, hoje e para sempre. Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Assim nos encoraja Santo Agostinho a confiar-nos a este Cristo sempre vivo e a encontrar assim o caminho da vida.

Fonte: Vaticano

Cartas sobre Fé - Sexta Carta


Leia também: ---------------------------------------------

Por
Pe. Emmanuel-André


QUAL A DIFERENÇA ENTRE FÉ E SENTIMENTO RELIGIOSO

A senhora leu com atenção minha carta anterior e pede-me para que eu a ajude a compreender bem a diferença que há entre Fé e sentimento religioso. A tarefa será fácil, desejo que meu trabalho lhe seja útil.

Lembre-se das breves palavras do Pe. Lacordaire: A Fé é a Fé.

O sentimento é assim o respeito que temos, como criaturas, por nosso Pai que está no Céu e que, unicamente porque nos criou, nos olha como filhos, nos dá o pão de cada dia, a luz de seu sol, os frutos da terra, a vida, a saúde, e mil outros bens igualmente da ordem natural.

O sentimento religioso sendo natural ao homem, se encontra em todos os homens fiéis ou infiéis; pois todos têm esse fundo comum de respeito a Deus, que algumas vezes se traduz por um ato religioso fundado sobre a verdade, como entre os cristãos; outras vezes por um ato religioso manchado de erros como entre os infiéis, os idólatras, etc.

Entre os povos, há alguns cujo sentimento religioso é naturalmente muito profundo, por exemplo os árabes. Um árabe não faltará à prece da manhã, à do meio dia e à da noite. Ao escutar o muezzin gritar do alto do minarete a fórmula sagrada: La Allah, etc., imediatamente ele se põe a rezar, esteja na companhia de quem quer que seja, no lugar que for, no meio de uma praça ou no trabalho; quando chega a hora, ele reza. Por este mesmo sentimento religioso, o árabe relaciona tudo à vontade de Deus; os acidentes da vida, a saúde, a doença, mesmo a morte, ele relaciona com Deus e em todas as circunstâncias ele repete: Deus é grande! Eis o sentimento religioso em todo seu poder.

Mas lembre-se que nossa natureza decaiu com Adão, e uma natureza decaída só pode ter um sofrimento religioso também abatido pela decadência. A natureza não pode se elevar sozinha; o sentimento religioso puramente natural não pode, de modo algum, levar o homem a Deus nem tirá-lo do pecado.

Com toda a religiosidade natural, este mesmo árabe conservará todos os vícios que infelizmente lhe são também naturais: ele será vaidoso, mentiroso, ladrão; praticará, por exemplo, a hospitalidade, mas sabendo por onde seu hóspede vai passar, mandará alguém para o assaltar, ou irá ele mesmo fazer ao longe o que não faria estando em sua tenda.

Por este traço característico a senhora poderá reconhecer o sentimento natural; este sentimento nada vê, nada quer, nada pode contra o pecado.

O sentimento religioso quando permanece em estado natural, é indiferente em matéria de religião. O sentimento religioso se acomoda a tudo, se arranja com tudo, se presta a tudo e não se entrega a nada. Perdão, pode entregar-se à maçonaria, ao menos quando os maçons reconhecem o Grande Arquiteto, como ele dizem.

Tendo mostrado o primeiro quadro, chego ao segundo.

- A Fé não é um sentimento, a Fé não é da ordem natural.

- A Fé é um assentimento de nosso espírito à verdade revelada por Deus. É um bem que não deriva de nossa natureza, mas lhe é dado para curá-la.

- A Fé é essencialmente purificante. Fide purificans cordaPurificando pela Fé os corações.(At. 15,9).

- A Fé esclarece o espírito e o despoja do erro; levanta o homem caído, recoloca-o no caminho de Deus: a Fé põe as bases da obra da salvação, encaminha o homem para o bem.

- A Fé é essencialmente fortificante. Confortus fide, diz São Paulo (Rom. 4,20). E ainda, Fide stas: se estás em pé, é pela Fé (id. 11,20).

- A Fé é vivificante: o justo vive da Fé, diz São Paulo (Gal. 3,11)

- Se o sentimento religioso nos deixa frios em relação a Nosso senhor Jesus Cristo, já não é assim com a Fé; pela Fé, Nosso Senhor Jesus Cristo se torna presente, vivo em nossos corações: Christum habitare per fidem in cordibus vestrisCristo habite pela Fé em vossos corações. (Ef. 3,17).

- A Fé é o princípio de um mundo novo, regenerado em Jesus Cristo Nosso Senhor; a Fé é a luz que anuncia os esplendores da eternidade onde veremos Deus; a Fé é a mãe da santa Esperança e da divina Caridade.

- A Fé é sobre a terra, a fonte pura de todas as verdadeiras consolações. É ainda São Paulo quem nos diz: Simul consolari per eam quae invicem est, fidem vestram atque meam - Consolemo-nos juntos na Fé que nos é comum, a vós e a mim (Rom. 1,12).

Quando se fala da Fé, São Paulo é um mestre incomparável. Dele é que tomo uma última palavra para terminar esta carta: Saluta eos qui nos amant in fide - Saudai os que nos amam na Fé.

Digamos juntos: Credo.

Continua...

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Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade.(II Coríntios 13,8)