Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

segunda-feira, 24 de março de 2014

Maria não salva ninguém. Eu sei, e daí?

Na Internet, vejo uma figura do Padre Fábio de Melo em artigo evangélico, dando ênfase à afirmação do sacerdote: “Maria não salva ninguém, quem salva é Jesus Cristo”. Mas não há aí novidade alguma. É exatamente nisso que acreditamos como católicos e ponto. A doutrina católica jamais afirmou o contrário, ainda que coloque Nossa Senhora como corredentora, tendo ela parte fundamental na história da redenção como progenitora de Jesus.

Isso, de modo algum a coloca como salvadora da humanidade. Inferir que a consideramos assim é caricaturar nossa doutrina. Mas por que corredentora?

Seu "sim" foi imprescindível para que a salvação em Cristo ocorresse. Não é necessário ser versado na Bíblia para reconhecer em Maria a mulher a esmagar a cabeça da serpente no livro de Gênesis. Contraposição da desobediência de Eva, Maria acolheu seu chamado com alegria, mesmo que uma gravidez naquelas circunstâncias lhe pudesse custar a morte. Pela desobediência, Eva nos apartou da amizade com Deus. Pela obediência, Maria nos trouxe a reconciliação. Com razão, os antigos padres da Igreja a consideravam a nova Eva.

"Como por uma virgem desobediente foi o homem ferido, caiu e morreu, assim também por meio de uma virgem obediente à palavra de Deus, o homem recobrou a vida. Era justo e necessário que Adão fosse restaurado em Cristo, e que Eva fosse restaurada em Maria, a fim de que uma virgem feita advogada de uma virgem, apagasse e abolisse por sua obediência virginal a desobediência de uma virgem." (Santo Irineu de Lion, Adversus Haeresis)

"Entendemos que se fez homem por meio da Virgem, a fim de que o caminho que deu origem à desobediência instigada pela serpente fosse também o caminho que destruísse a desobediência. Eva era virgem e incorrupta; concebendo a palavra da serpente, gerou a desobediência e a morte. A Virgem Maria, porém, concebeu fé e alegria quando o anjo Gabriel lhe anunciou a boa nova de que o Espírito do Senhor viria sobre ela; a força do Altíssimo a cobriria com sua sombra, de modo que o Santo que dela nasceria seria o Filho de Deus. Então respondeu ela: 'Faça-se em mim segundo a tua palavra'. Da Virgem, portanto, nasceu Jesus, de quem falam as Escrituras"
 
 (Justino, Mártir - Diálogo com Trifão)

A Igreja Católica reserva para Maria um lugar de grande honra e a proclama mãe da Igreja, pois essa é Corpo Místico de Cristo, seu filho. Membros do próprio Cristo, partilhamos também essa maternidade. No entanto, afirmamos sem sombra de dúvida, que Maria é parte da criação. Ela não é Deus e, portanto, não é adorada entre nós.

Dispensamos aos santos uma veneração respeitosa que, em última instância é uma gloria dada ao próprio Cristo, uma vez que os santos renunciavam a si mesmos para viver em sua própria vida o Cristo vivo, como já afirmava São Paulo em Gálatas 2, 20a. Não significa uma adoração. Mas o reconhecimento dessa realidade cristológica presente na vida dos homens e mulheres que viveram a fé de maneira heróica. Veneramos respeitosamente os santos e adoramos o Cristo que neles habita. São eles ícones que apontam o Senhor, tal como os querubins sobre a Arca da Aliança indicavam o Deus que habitava entre eles.

Com relação a Maria, separamos uma veneração respeitosa ainda superior - chamamos de hiperdoulia - pois através de Nossa Senhora, a salvação veio ao mundo, Deus fez-se carne e habitou entre nós. É dela o sangue salvífico escorrido das veias do Cristo que, em suas naturezas - a divina e a humana - é um só e indivisível Deus. Cremos na pureza de Maria. Acreditamos que ela foi antecipadamente beneficiada pelos méritos da cruz de Cristo e por isso preservada do pecado original sendo, por isso, pura para receber Deus em seu ventre e colocá-lo na geração dos homens. Emprestou de si mesma a carne que compõe a natureza humana de Jesus. Mas ela mesma, uma criatura, tal como Eva, tal como Adão. Tal como nós.

"...corpo de Maria toda santa, sempre virgem, por uma concepção imaculada, sem conversão, e se fez homem na natureza, mas em separado da maldade: o mesmo era Deus perfeito, e o mesmo era o homem perfeito, o mesmo foi na natureza em Deus, uma vez perfeito e homem." (Santo Hipólito de Roma, Fragmentos 7)

“Assim, também, eles pregavam o advento de Deus em carne e osso para o mundo, seu advento pela impecável e mãe de Deus Maria no caminho do nascimento e crescimento, e a forma de sua vida e conversa com os homens, e sua manifestação por meio do batismo, e o novo nascimento, que era para ser para todos os homens, e a regeneração pela pia batismal” (Santo Hipólito de Roma, Discurso sobre o fim do mundo)

Se hoje recorremos a ela e aos santos, como intercessores junto a Deus – assim como evangélicos recorrem aos seus pastores e oram uns pelos outros - é porque cremos que ela e os santos estão diante do trono do Altíssimo, servindo dia e noite (Ap. 7, 15); 

Em que consiste esse serviço? Basicamente no amor. Esse que nunca perece, mas ficará após o fim de toda profecia, línguas e conhecimento. É nisso que consiste o serviço dos justos diante do altar. Amar a Deus e ao próximo. As duas dimensões indissociáveis do amor. Amar consiste em agir, portanto não é mero sentimento que pode manter-se inerte. Não há como amar sem que isso se traduza em um ato concreto, um mover-se na direção do objeto a que o amor se destina. Colocar-se a serviço.

Diante do altar de Deus, onde esse serviço ocorre, estão as taças com as nossas orações e elas são apresentadas a Deus. Eis o ato concreto de amor praticado pelos justos diante de Deus, enquanto estamos aqui na terra travando o bom combate.

É verdade, somos constantemente objetados de que deveríamos nos reportar diretamente a Deus, sem outro intermediário que não o Senhor Jesus Cristo, mas isso se tornaria uma objeção também para os protestantes que se reportam ao pastor, ou a um amigo. Se posso me reportar diretamente a Deus por Cristo, qual o sentido da oração pelo irmão? Por que devemos orar uns pelos outros, como aconselha São Tiago? A resposta é óbvia:

Somos um só corpo, temos que viver em comunidade e a cooperação na oração tem o propósito de evidenciar essa realidade. Mas, se o batismo nos une com os irmãos da nossa geração, nos une também com os irmãos de gerações passadas. O mesmo sinal – o batismo - que me une a Cristo, também uniu São Pedro, São Paulo e todos os cristãos ao longo da história. E, se não há morte senão a corporal, ainda estamos todos unidos pelos mesmos sinais e pelos mesmos propósitos. Somos uma mesma comunidade, perene como é perene o Corpo de Cristo, que venceu a morte. E é em Cristo que todo esse processo é mediado.

Nosso agir na Igreja, seja orando, seja confraternizando, seja ajudando é sempre cristológico. A motivação da fé e do ato do cristão é o Cristo propriamente dito. DEle nascem nossos anseios, nEle se concretizam e para Ele se destinam. A oração cristã passa pela mediação de Jesus, porque feita dentro da cosmologia nascida da Cruz. Assim, quando peço para um santo diante do trono de Deus – ou mesmo para um padre ou um bom cristão aqui na terra – que ore por mim, é ao próprio Cristo que peço. O Cristo do qual nos fazemos membros quando renunciamos a nós mesmos e deixamos que Cristo viva em nós. É a humanidade redimida se relacionando com Deus através do Cristo que nos abriu essa possibilidade. Sem Cristo, não haveria Igreja, não haveria salvação, não haveria santo ou amigo a quem eu pudesse recorrer como auxílio junto a Deus.

Jesus não é mero carteiro que envia mensagens ao Criador. A mediação tem a ver com ser Igreja e Igreja ser Cristo e todos nós sermos UM com Ele. Refere-se ainda antes disso, ao fato de que Ele é Deus e homem. O meio caminho entre o Criador do Universo e a Humanidade, antes separados e agora unidos. Jesus é homem que ama a Deus e Deus que ama o homem, tudo isso em uma só pessoa. Dessa realidade é que nasce a fé e a Igreja. E toda a ação dessa Igreja, das orações, da liturgia aos sacramentos, tudo é “com Cristo, por Cristo e em Cristo”. Nada, absolutamente, é feito fora dessa realidade, nem a intercessão dos santos.

Diante disso, resta a objeção do "sono" em que aparentemente jazem os mortos, defendido pelos protestantes desde os tempos de Lutero. Nós, católicos, não acreditamos nesse sono. Recorrerei a um texto de minha própria autoria feito há alguns anos para uma rede social:

Existem duas palavras para “sono” no Novo Testamento. A primeira é “katheudo”. É usada para sono natural, vinculada à perda de consciência. É usada 22 vezes, todas com esse sentido, à exceção de uma, a ressurreição da filha de Jairo. Jesus usa esse termo para mostrar que a morte dela duraria apenas o tempo de um sono.

A outra palavra é “koimaomai”, usada 18 vezes. Três delas se referem ao sono normal, como em Mateus 28, 13 e Lucas 22, 45. Em outras quinze vezes, ela é usada para ilustrar a morte corporal. O significado concreto da palavra “koimao” deriva do verbo “keimai” – deitar. Trata-se do aspecto do corpo após a morte. A palavra que é utilizada serve, na língua grega, como antônimo para o termo “anastásis” - ana (elevação); histemi (ficar ereto).

O que “deita” e depois “levanta” é o corpo e não a alma. Não foi a alma de Cristo que ressuscitou, mas seu corpo revestido de glória. Assim, o termo traduzido por sono atribuído à morte não passa de uma metáfora, nada mais que isso. Sendo assim, não há nenhuma passagem na Bíblia que sugira, de fato, que a alma permanece adormecida durante a morte. O termo usado não se refere à consciência, nem sequer à localização da alma dos que faleceram.

Já o caso contrário é plenamente verificável:

São Paulo, em 2Cor 5, trata dessa questão e afirma que ainda que percamos nossa “tenda terrestre” (o corpo – 2Cor 5, 1; 8), nossa alma (onde se encontra a consciência e a personalidade) parte para estar com o Senhor (2Cor 5, 8). Para que eu não seja acusado de usar essa passagem fora do contexto, é necessário compreender que São Paulo delimita duas mansões: a mansão como morada no Céu (v. 6) e a mansão do nosso corpo (v. 8).

Assim, se nós honramos Maria, não a adoramos. A reverenciamos como Mãe de Jesus Cristo. Mãe de Deus (Theotokos), pois Cristo é indivisível. Suas duas naturezas não são autônomas, mas partes de um todo.
A chamamos Rainha, pois é mãe de um Rei.

A chamamos nossa Mãe, porque somos membros de Cristo, seu filho. Porque não mais vivemos, mas Cristo vive em nós. Porque, se ela é Mãe da Cabeça, há de ser mãe do Corpo também.

A chamamos “senhora”, porque damos o respeito devido a ela como nossa mãe. Assim, se ela é mãe, é também senhora.

A chamamos corredentora porque parte indissociável do plano de salvação de Deus para conosco.

A chamamos Medianeira porque Jesus – o mediador – nos alcançou por intermédio do sim de Maria. (vide a diferença entre medianeira e mediadora).

E absolutamente todos esses títulos e  outros atribuídos a Nossa Senhora tem Jesus Cristo como vetor. Não fere, antes enaltece a soberania de Deus sobre nós. Tem como objetivo cumprir a honra devida à Nossa Senhora por todas as gerações.

Seja Bem-Vindo(a) ao Blog do Grupo de Estudo Veritas !

Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade.(II Coríntios 13,8)