Padre Elílio de Faria Matos Júnior
Sabemos que Filosofia e Teologia são ciências distintas, quer pelo método quer pelo objeto. Enquanto a Filosofia procede por raciocínios lógicos a partir dos primeiros princípios da razão pura e tem como objeto primeiro o mundo e o homem tais como se apresentam ao estudioso pela experiência, a Teologia, por sua vez, procede a partir do ato de fé na revelação divina, procurando um certo entendimento dessa fé, e o seu objeto primeiro é o próprio Deus tal como se dá a conhecer em sua auto-revelação. Assim, a Teologia pode ser dita ciência da fé, enquanto a Filosofia é a ciência da razão.
Tal distinção, contudo, não leva necessariamente a uma separação entre as duas ciências. Aliás, ao longo da história da Igreja, pode-se verificar que Teologia e Filosofia muitas vezes se mostraram em íntima relação. Sejam citados aqui o período patrístico e escolástico, que testemunham a relação harmoniosa entre teologia e filosofia estabelecida na obra fecunda de um Santo Agostinho (†430) ou de um Santo Tomás de Aquino (†1274). Não podemos dizer, entretanto, que faltem autores na modernidade ou na contemporaneidade que procuraram correlacionar as duas ciências.
Uma pergunta surge: Por que Teologia e Filosofia, sendo distintas, podem se relacionar? Na verdade, Teologia e Filosofia podem realizar um frutífero conúbio na medida em que se interessam pela visão de totalidade e na medida em que seu objeto coincide, ainda que parcialmente.[1] Sim; a Teologia, como já se disse, tem por objeto primeiro Deus, tal como ele mesmo se deu a conhecer pela revelação judaico-cristã; o homem e o mundo caem também sob a consideração da teologia na medida em que se relacionam com Deus ou são vistos sob a luz de Deus revelador. A Filosofia, por sua vez, como já notamos, tem como objeto primeiro de sua consideração o mundo e o homem percebidos pela experiência, mas pode chegar ao Absoluto – Deus – como fundamento radical do mundo e do homem.
Desse modo, é fácil ver que tanto a Teologia como a Filosofia tratam de Deus, do mundo e do homem. A primeira, por um movimento de descida (katabasis), vai de Deus até o homem e o mundo considerados sob a luz da fé na auto-revelação de Deus; a segunda, por um movimento de subida (anabasis), vai do mundo e do homem até Deus considerado sob a luz da razão interrogante. E é exatamente essa comunidade de objeto que torna possível a relação entre ambas.
Uma das sistematizações mais consistentes da relação entre fé e razão encontra-se na grandiosa obra de Santo Tomás de Aquino. O Aquinate viu bem que, sendo Deus, ao mesmo tempo, o criador da ordem racional e o autor da fé, não poderia haver contradição de iure entre ambas, preservadas as devidas distinções. Motivado, assim, por essa certeza, foi capaz de construir uma reflexão filosófico-teológica de invejável vigor especulativo. A grande originalidade de Tomás está no fato de ter elaborado uma metafísica do esse (do ser como ato de existir), superando, desse modo, a metafísica das essências que herdara dos gregos.[2]
[1] Digo “ainda que parcialmente” porque a Filosofia, embora possa tratar de Deus, não o considera, contudo, como a Teologia. A Filosofia chega a Deus como causa transcendental do mundo e do homem, e não alcança a vida íntima de Deus, o que só se pode atingir, ainda que dentro dos limites da linguagem humana, pela Teologia, que parte da fé naquilo que Deus mesmo deu a conhecer de si, como, por exemplo, a Trindade das Pessoas Divinas. [2] VAZ, Henrique C. de Lima. Tomás de Aquino: do ser ao absoluto. In: ____ Escritos de Filosofia III. Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997, p. 283-342.
Fonte: http://padreelilio.blogspot.com/2009/12/filosofia-e-teologia-metodologia-e.html
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