Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Como defender judicialmente o nascituro

Como defender judicialmente o nascituro
(agora ficou mais fácil defendê-lo)

Quando um juiz, abusando de sua autoridade e contrariando a lei, ousa emitir uma sentença autorizando o crime do aborto, o meio processual mais adequado para defender o nascituro é o pedido de Habeas Corpus com concessão de liminar. Originariamente, o Habeas Corpus não foi concebido para impedir um homicídio, mas a prisão de alguém, uma “violência ou coação em sua liberdade de locomoção” (art. 5º, LXVIII, CF). No entanto, ninguém pode ter liberdade de locomoção se está morto. O direito de ir e vir supõe o direito à vida. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o Habeas Corpus é uma via processual adequada para proteger uma criança ameaçada de aborto. Eis o trecho de um acórdão que impediu o aborto de um bebê anencéfalo:

... não há se falar em impropriedade da via eleita [o Habeas Corpus], já que, como é cediço, o writ se presta justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente, inclui o direito à preservação da vida do nascituro (STJ, HC 32159, Rel. Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17-02-2004 e publicado em 22-03-2004).

O Habeas Corpus tem, além de tudo, a vantagem ter tramitação prioritária em relação às outras ações, de poder ser impetrado por qualquer pessoa do povo, de não ter custas processuais e de nem sequer requerer a participação de um advogado.

Mais ainda: não é necessário que a pessoa que sofre coação (paciente) dê uma procuração para ser representada em juízo. Essa última vantagem não deve ser menosprezada. Quando uma gestante deseja praticar um aborto, ela (que é representante legal do nascituro) não dará a um terceiro uma procuração para defender seu filho, contrariando o interesse dela. Isso torna inviável o uso do Mandado de Segurança para impedir um aborto. Esse inconveniente é evitado pelo Habeas Corpus.

Até hoje, porém, dificilmente um tribunal concederia ordem de Habeas Corpus para salvar um nascituro ameaçado de morte quando se alegasse que o aborto é o único “meio” para salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resultasse de estupro. Isso porque, infelizmente, os desembargadores costumam acreditar que nessas duas hipóteses, descritas no artigo 128 do Código Penal, o aborto é “permitido”. Essa interpretação – que vai além da letra do dispositivo, que diz apenas “não se pune” – baseia-se na crença de que o nascituro não é pessoa, segundo a primeira parte do artigo 2º do Código Civil: a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida”. Se ele não é pessoa, mas apenas expectativa de pessoa, sua vida poderia ser violada em benefício da mãe, que já é pessoa.

Esse foi o entendimento do Ministro Carlos Ayres Britto, relator da ADI 3510, o qual se posicionou em favor da destruição de embriões humanos. Segundo o relator, o fato de o aborto ser crime não significa que o nascituro seja uma pessoa. E mais: se o nascituro fosse pessoa, não seria possível existir aborto “legal”! Leiamos seu raciocínio:

Não que a vedação do aborto signifique o reconhecimento legal de que em toda gravidez humana já esteja pressuposta a presença de pelo menos duas pessoas: a da mulher grávida e a do ser em gestação. Se a interpretação fosse essa, então as duas exceções dos incisos I e II do art. 128 do Código Penal seriam inconstitucionais, sabido que a alínea a do inciso XLVII do art.5º da Magna Carta Federal proíbe a pena de morte (salvo “em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”)[1].

Na época em que Ayres Britto disse isso, o Supremo Tribunal Federal ainda não havia consolidado o entendimento acerca do status hierárquico do Pacto de São José da Costa Rica. Hoje, porém, com o julgamento do Habeas Corpus 87.585-8 TO e dos Recursos Extraordinários 349703/RS e 466.343/SP, tornou-se pacífico que essa Convenção tem um nível superior a todas as leis ordinárias, como o Código Civil e o Código Penal. Eis o que diz um trecho do acórdão do RE 349703/RS, publicado em 05/06/2009:

Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002).

Fonte: http://www.direitointegral.com/2009/02/tratados-direitos-humanos-prisao-civil.html

Estando “abaixo da Constituição, mas acima da legislação interna”[2], o Pacto de São José da Costa Rica torna inaplicável o artigo 652 do Código Civil (que permite a prisão do depositário infiel) e a primeira parte do artigo 2º do mesmo Código (que nega o reconhecimento da personalidade ao nascituro). De fato, a Convenção afirma em seu artigo 3º: “toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica”. Mas, o que a Convenção chama de “pessoa”? A resposta está no artigo 1º, n. 2.: “para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano. Logo, segundo a Convenção, todo ser humano (= toda pessoa) tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica!

Que o nascituro seja um ser humano, nem sequer o negou o Ministro Carlos Ayres Britto: “o início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino[3]. Logo, o nascituro é pessoa!

O recentíssimo reconhecimento do nível supralegal do Pacto de São José da Costa Rica afasta a aplicação de qualquer dispositivo que venha a negar a personalidade do nascituro (como o artigo 2º, CC), bem como a aplicação de qualquer norma que se interprete como “permissão” para o aborto (como os dois incisos do art. 128, CP).

A conclusão prática de tudo isso é que hoje qualquer cidadão pode, com base no referido Pacto, impetrar Habeas Corpus não apenas em favor de um nascituro deficiente (aborto eugênico), mas ainda em favor de um nascituro que se pretenda abortar como “meio” de salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulte de estupro. É preciso, porém, no corpo da petição, fazer referência explícita ao reconhecimento da personalidade do nascituro pelo Pacto de São José da Costa Rica e do status supralegal dessa Convenção.

Como ilustração, transcrevemos um acórdão do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo em que já se fazia referência à importância do Pacto subscrito e ratificado pelo Brasil. Note-se porém que naquela época (1998), o STF ainda atribuía a essa Convenção o nível hierárquico de lei ordinária. O artigo 4º do Código Civil então vigente (de 1916) corresponde ao artigo 2º do atual Código (de 2002):

Em boa hora se vem invocando nos Pretórios o Pacto de São José de Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos), que se fez direito interno brasileiro, e que, pois, já não se configura, entre nós, simples meta ou ideal de lege ferenda. É mesmo reclamável seu cumprimento integral, porque essa Convenção foi acolhida sem reservas pelo Estado brasileiro. Parece que ainda não se compreendeu inteiramente o vultoso significado da adoção do Pacto entre nós: bastaria lembrar, a propósito, pela vistosidade de suas conseqüências, que seu art. 2º modificou até mesmo o conceito de pessoa versado no art. 4º do Código Civil, já que, atualmente, pessoa, para o direito posto brasileiro, é todo ser humano, sem distinção de sua vida extra ou intra-uterina. Projetos, pois, destinados a viabilizar a prática de aborto direto ou a excluir antijuridicidade para a prática de certos abortamentos voluntários conflitam com a referida Convenção (Habeas Corpus n.º 323.998/6, Tacrim-SP, 11ª Câm., v. un., Rel. Ricardo Dip, j.29.6.1998).

Queira Deus que no julgamento do mérito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 (ADPF 54), que pretende a liberação do aborto de crianças anencéfalas, os defensores da vida no STF usem – e usem bem – a poderosíssima arma pró-vida do Pacto de São José da Costa Rica.

Anápolis, 7 de setembro de 2009

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

Presidente do Pró-Vida de Anápolis

http://www.providaanapolis.org.br

[1] Voto do relator na ADI 3510, 5 mar. 2008, n. 28, p. 32.

[2] Esse é o entendimento majoritário. Há porém os Ministros Celso de Mello, Cézar Peluzo, Ellen Gracie e Eros Grau, que defendem o status constitucional do Pacto de São José da Costa Rica.

[3] Voto do relator na ADI 3510, 5 mar. 2008, n. 30, p. 35.

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