Paulo Faitanin - Depto. Filosofia UFF
A harmonia que o mundo criado apresenta supõe a ordem da diversidade dos seres que o compõe. Observando mais de perto esta multiplicidade de criaturas percebemos que algumas nos encantam mais do que outras. Cada uma, em sua pequenez, contribui para o esplendor do universo. A beleza de uma rosa fascina mais do que a de uma pedra, mas a de uma criança mais do que a de um jardim inteiro. Ascendendo em nossa contemplação constatamos, pouco a pouco, que há graus de beleza: uma hierarquia.
Atentos a esta gradação, as criaturas mais belas, num primeiro momento, são as que apresentam maior simetria e proporção; ascendo mais e mais, percebemos que são mais belas ainda, as que verdadeiramente apresentam maior pureza, quase desvendando uma graça, por meio da qual revela sua forma de beleza.
Em cada etapa desta apreciação ascendente, as coisas nos parecem belas em razão de suas purezas e ascendendo mais, exige-se ainda maior pureza, até à necessidade da admissão da existência de uma suprema beleza, pura em si, a qual só se alcança por analogia, por meio da comparação das coisas belas entre si, indo da apreciação da beleza inferior comparada com as mais superiores, até chegar à superior, considerada em si. E encontramos em todas as criaturas, por meio desta associação, os vestígios, semelhanças e imagens de uma beleza superior, cuja admiração somente se chega pela contemplação, com reverência, pois se trata do próprio Autor e fonte da beleza criada.
A fonte da beleza é o Belo em si, que outorgou o dom de ser belo a toda criatura, mesmo àquela minúscula, cuja mínima densidade ou mesmo complexidade da matéria não nos deixa entrever a simplicidade de sua forma, raiz de sua própria beleza; e nem mesmo nos permite apreciá-la como partícipe da beleza divina. Não obstante, mesmo estas pequeninas criaturas são belas, segundo a intensidade do ato de ser que possuem, manifesto em suas formas que informam suas respectivas matérias, pois nas criaturas a beleza é mediante o esplendor de suas formas.
Aqui cabe não confundir forma e figura para acentuar a doutrina do Aquinate. A figura é a expressão da forma na matéria; portanto, a forma não é tudo o que representa a figura de um corpo, esta é antes um limite daquela, na matéria. A figura é no corpo, apenas, uma expressão da beleza do que é a forma em si. A forma humana [a alma racional] é individual em cada homem. Sua perfeição natural é, no entanto, semelhante em cada alma. A forma humana que é igual para todos, segundo a perfeição da natureza, manifesta sua beleza na figura de cada corpo. Nenhum corpo esgota, em sua figura, a beleza do que é a sua forma [alma]. Retornando ao tema, em cada criatura, sua figura expressa a beleza de sua forma, desde a forma mais sublime até a mais ínfima, todas representam, de alguma maneira, a beleza do que é Belo em si.
Constatada esta hierarquia, nenhuma criatura deixa de expressar, ao seu modo, a beleza do que é Belo em si, a saber, a beleza divina. Bastaria tão somente uma criatura existir para ser considerada bela, porque sua existência é o efeito da ação pulcrífica de Deus. No horizonte da multiplicidade, soergue na verticalidade, uma hierarquia que vai do inferior ao mais sublime, em que cada um recebe a beleza proporcional ao ato de ser que possui.
Igualmente nos impressiona quando confrontamos a beleza dos demais entes com a beleza do ser do homem. Convém, pois, considerar a beleza da natureza humana em seus quatro aspectos fundamentais: a beleza do seu ser criado à imagem de Deus, do seu pensar estabelecido à semelhança divina, do seu agir que segue o seu ser e do seu produzir que imita a natureza ou produz algo semelhante a si. Enfim, resume-se toda beleza humana na beleza de Cristo, pois Ele é o esplendor da beleza!
Fonte: Revista Aquinate
Nenhum comentário:
Postar um comentário