Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O dogma da auto-organização da matéria como fundamento da vida


Por O. Brado do Blog Perspectivas


VIVEMOS NUM TEMPO BIZARRO que é característico das grandes mudanças de paradigma, em que os ignorantes se acham no direito de censurar as ideias dos outros chamando-lhes de “ignorantes”; e em que a noção de “preconceito”, por exemplo, é usada de forma preconceituosa e irracional, como uma arma de arremesso, por parte de quem tem pavor de perder o pé em relação à realidade e à natureza das coisas. É assim, por exemplo, que aqueles que transformaram Galileu em mártir da História são exactamente os que hoje ostracizam quem se atreva a colocar racionalmente em causa o dogma do darwinismo sintético.

No entanto, bastaria que as pessoas pensassem um pouco e seguissem a lógica, para que pudessem chegar a uma conclusão: o princípio da auto-organização da matéria, mesmo que fosse só e estritamente aplicado à matéria inanimada, não faz sentido. Aquilo que nos aparece como matéria auto-organizada é um efeito (aparência), e não uma causa. As pessoas — mesmo intelectuais e filósofos de nomeada — normalmente olham para os efeitos; abstraem e generalizam; e depois estendem os efeitos às próprias causas.
1O problema da coerência do princípio da auto-organização da matéria tem lugar ab initio, ou seja, no Big Bang — que é um conceito que decorre da observação empírica de dois fenómenos: o primeiro, a descoberta do movimento de expansão das galáxias por intermédio do telescópio Hubble; e o segundo, mediante a constatação empírica da existência da radiação isotrópica que sugere logicamente uma espécie de resíduo fóssil proveniente de uma “explosão” inicial. Portanto, a tese do Big Bang é bastante sólida.
Dizia, o problema da coerência do princípio da auto-organização da matéria começa quando o Big Bang é visto (por intelectuais, filósofos e mesmo pelos físicos) como uma “explosão” ou um processo de “desintegração” — o que é um absurdo, porque só pode “explodir” ou “desintegrar-se” aquilo que já existisse no espaço-tempo e em forma de matéria. Não é objectivamente possível que uma coisa que não exista materialmente, “expluda” ou se “desintegre”. O que podemos dizer, simbolicamente apenas, é que o Big Bang foi uma “deflagração”.
Por outro lado, a teoria da auto-organização da matéria parte do princípio segundo o qual a “explosão” do Big Bang transportava já consigo as partículas elementares (electrões, neutrões, protões, etc.) desde o primeiro instante do cosmo. Ou seja, sustenta-se que, com o Big Bang e no mesmo instante da “explosão”, as partículas elementares surgiram no espaço-tempo. Ora isso é outro absurdo, porque no exacto momento do Big Bang não existia, nem espaço, nem tempo, e nem espaço-tempo. Seria impossível que a matéria tivesse “surgido” no universo naquele instante.
O que surgiu no primeiro instante do Big Bang foi a luz e o limite universal da velocidade da luz (cone de luz), os fotões de energia, e a realidade da onda quântica pura e não-local (que “viaja” fora do cone-de-luz), e, por isso, totalmente desprovida de massa. Por isso, se alguém disser que “a matéria se auto-organizou a partir do Big Bang”, quer dizer que “a matéria se auto-organizou a partir de algo que não era matéria” — o que é outro absurdo.
Por último, a não-existência — no momento do Big Bang — do espaço-tempo (ou melhor: a existência do Não-espaço, do Não-tempo, e da Não-matéria), anula a teoria de cordas e a teoria do Multiverso. Não só a teoria de Stephen Hawking segundo a qual “o universo surgiu do Nada” é apenas metafísica paupérrima, como a teoria de cordas e do Multiverso apenas atiram o problema da primeira causa para o infinito — assim como se pensava (ainda não vai muito tempo) que o universo [material] era eterno e infinito. A teoria de cordas não passa de uma teoria que pretende restabelecer essa saudosa ordem determinista e incriada desse universo infinito agora destruído pela descoberta do Big Bang.
2Por maioria de razão, o princípio da auto-organização da matéria aplicado ao surgimento dos organismos vivos é um absurdo ainda maior do que o conceito de auto-organização da matéria em si mesma. Partindo do princípio segundo o qual a “matéria viva processa energia, guarda informação e reproduz-se”:
Para percebermos o conceito de “auto-organização”, deveremos recordar a Segunda Lei da Termodinâmica. Ainda assim, uma descarga energética pode fazer com que a matéria em desordem se organize espontaneamente num sistema organizado. Por exemplo: imagine-se um cano do nosso duche cheio com a água mais quente misturada com a água mais fria de uma forma heterogénea, estando as moléculas da água distribuídas de uma forma totalmente aleatória e em desordem. Ao abrirmos a torneira, a gravidade força a água a passar do seu estado caótico (do seu estado aleatório de equilíbrio) para um estado ordenado de fluxo de água morna. Este exemplo demonstra como uma força energética (como é o caso da força da gravidade) pode criar o desequilíbrio num sistema e causar uma ordem de criação espontânea.
Poderia um semelhante tipo de “auto-organização” criar a vida?
A matéria com vida tem necessariamente que conter informação (instruções) suficientemente complexa para que seja capaz de se manter e de se reproduzir. Neste ponto, a teoria da informação é-nos muito útil, porque nos permite quantificar a informação da matéria viva e da inerte em termos de bytes bits. A enorme informação contida na matéria viva implica a existência de padrões flexíveis e irregulares, enquanto que a matéria inerte nunca sai dos padrões simples e repetitivos no que diz respeito ao conteúdo de informação. Por exemplo, um cristal de quartzo tem uma ordem simples e um conteúdo de informação escasso, e não vive. Em contraste, o ADN existe em toda a matéria viva e contém uma vasta quantidade de informação que permite aos organismos a reprodução (ou criação de réplicas) e a sua manutenção, isto é, permite a vida.
O ADN da mais pequena bactéria unicelular contém mais de 4 milhões de instruções (comandos de informação), que se encontram codificadas no ADN nas quatro “bases” da “escada do ADN”, com os nomes de A, G, C e T: são o alfabeto genético. Actuando como frases de um texto ou de um discurso, as instruções do ADN passam a informação necessária à formação de uma proteína ou algo semelhante que o organismo necessite para a sua reprodução ou alimentação.
O problema dos teóricos da “auto-organização” é o de que os mecanismos de criação de vida que eles defendem não explicam o método de geração do tipo de informação que o ADN contém. Os cenários da “auto-organização” da vida só se centram na “formação teórica da ordem” e excluem a “informação complexa”. Esses teóricos gostam de utilizar o termo “complexidade” nos seus escritos e referem-se a padrões altamente organizados e intrincados da organização da matéria, mas ao fim e ao cabo não distinguem, por exemplo, os cristais de quartzo, por um lado, de uma ameba, por outro lado.
A teoria da “auto-organização” defende a ideia segundo a qual as leis da física (e consequentemente as leis da química produzidas) causaram a formação da matéria viva a partir da matéria inerte.
Mas esta ideia encontra um grande obstáculo: que é o simples facto matemático de que a informação genética contida no mais pequeno organismo vivo ser muito maior do que o conteúdo de informação descoberto em todas as leis da física – como referiu Hubert Yockey, um dos físicos do Projecto Manhattan (1).
De onde nos chegou o enorme conteúdo de informação vital? Esta dificuldade fundamental não é abordada pelos defensores da teoria da “auto-organização”.
Mesmo que ignoremos este facto matemático fundamental, existe um outro problema: as leis da Física só produzem padrões regulares. O ADN (vida) requer padrões irregulares para a transmissão de informação através do código genético. Para usar uma analogia, o nosso idioma utiliza um código (alfabeto), e se escrevermos as letras “ABC”, de uma forma repetida ao longo de 1.000 páginas, teríamos um padrão regular, altamente ordenado e previsível (que são como as produzidas pelas leis da Natureza); mas se analisarmos “Os Lusíadas”, verificamos um padrão irregular nas letras do alfabeto utilizadas, o que significa uma enorme quantidade de informação.
De igual modo, o ADN utiliza o seu código (A, G, C e T) numa combinação complexa e irregular, para transmitir o seu código genético. Uma lei física produz padrões regulares e previsíveis, como a lei da gravidade e a entropia produzem o fluxo de agua tépida no exemplo do tubo do duche de que se falou acima. Se o ADN tivesse origem baseada nesse tipo de lei física, a sequência do ADN seria simples e repetitiva (tipo ABCABCABCABC) e sem muita informação, e seria incapaz de transmitir milhões de instruções como o faz o mais simples dos organismos.
Da mesma forma que a informação contida n’Os Lusíadas não foi determinada pelos químicos utilizados na tinta da pena de Luís Vaz de Camões, assim a informação do código genético (ainda que codificada num alfabeto de 4 letras) não é determinada pelos elementos químicos desse seu alfabeto.
(1) In “Information Theory and Molecular Biology”.

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