Por Letras e Ciência
No contexto da Linguística, entende-se função como “o propósito pelo qual uma expressão ou unidade de linguagem é usada. [...]”1
Em via de regra, aprende-se nos livros didáticos o modelo que contém os principais elementos envolvidos na comunicação (referente, remetente, mensagem, destinatário, canal e código) e as funções de linguagem centradas em cada elemento (respectivamente: referencial, emotiva, poética, conativa, fática, metalinguística).
Ver tabela:
Elementos da Comunicação
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Funções da Linguagem
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Contexto (referente)
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Referencial
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Remetente
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Emotiva
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Mensagem
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Poética
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Destinatário
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Conativa
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Contato (canal)
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Fática
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Código
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Metalinguística
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Também, ao ser ensinado, deixa-se claro que num dado texto mais de uma função da linguagem pode estar presente ou predominar.
No entanto, por falta de atribuir valor às funções, deixa-se também a impressão de que elas têm igual valor, possivelmente resultado da filosofia igualitarista: todos são iguais, não há melhor nem pior.
Assim, pretendo estabelecer aqui uma relação hierárquica entre as funções da linguagem, não as colocando a mesmo nível.
Como estamos tratando da linguagem humana, devemos começar enunciando a natureza do homem: o homem é um ser composto de corpo material e alma espiritual. Sem detalhes antropológicos, psicológicos, filosóficos, dizemos que a sua razão está relacionada à sua alma espiritual, ao passo que as suas emoções são fenômenos do corpo material.
Sem dificuldades, estabelecemos uma relação entre função referencial erazão, entre função emotiva e emoções. Ou ainda, nos textos onde se nota a função referencial, sem dúvida se trata de uma elaboração racional, enquanto que, nos textos onde se nota a função emotiva, existe uma expressão de emoções e sentimentos.
À primeira vista, ambas as funções poderiam ser de igual importância ou até uma de existência independente da outra, mas como são funções da linguagem do homem devem acompanhar a natureza do homem.
Visando a colocá-las em relação apropriada ao homem, é preciso considerar a relação que as paixões da alma têm com a razão. “As paixões da alma, quando contrárias à ordem da razão, inclinam para o pecado; ordenadas porém pela razão, auxiliam a virtude.”2 Assim, as emoções do homem devem estar subordinadas aos ditames da razão. Isso quer dizer, amor, medo, dentre outros, devem estar conforme a razão. Por exemplo, aquele que ama, ama um bem; aquele que teme, teme um mal. Não se deve amar um bem mais do que merece, como o caso de idolatria, ou temer um mal mais do que o devido, como uma fobia.
De qualquer modo, o homem deve controlar as suas emoções e os seus sentimentos de acordo com a verdade conhecida pela razão, sendo que se se entregar às emoções, aos apetites do corpo, desprezando-se a sua realidade racional, estará agindo de modo semelhante aos animais, que são irracionais; ou ainda, contrariando a sua natureza humana, por estar se movendo apenas pelo corpo, ignorando a razão.
Desta forma, podemos perceber que a função referencial tem importância maior que a função emotiva, pois esta não deverá ser usada puramente, ignorando-se o aspecto racional do texto (característica da função referencial), de modo que, neste caso, se estaria agindo de uma maneira não natural. Portanto, os textos que apresentam os traços de subjetividade característicos da função emotiva, devem apresentar alguma elaboração racional (e na prática em maior ou menor grau costumam apresentar, senão teriam ininteligibilidade total) como retratação clara dos sentimentos, e não obscura; valorização correta sua, e não divinização; etc; não devendo ser o texto com função emotiva predominante um que esteja expressando apenas impulsos da sensibilidade, de modo a não haver nexo lógico entre as ideias expressas pelas palavras, conforme não raro lemos em blogs.
“[...] De comum acordo, reconhece-se como a mais importante a função referencial, ou cognitiva, ou denotativa. A língua é, assim, considerada como tendo por finalidade permitir aos homens comunicarem informações. É a existência dessa função que permite descrever a língua segundo o esquema da teoria da comunicação. [...]”3
Na comunicação, situamos três elementos principais:
- O sujeito que fala;
- O interlocutor a quem se fala;
- O objeto de que se fala;
As funções da linguagem recaem sobre estes três elementos.
Podemos relacionar as seguintes funções com os seguintes aspectos do texto:
Função referencial - aspecto lógico;
Função emotiva - aspecto sensível;
Função poética - aspecto estético;
Função conativa e fática - aspecto social.
Função metalinguística - aspecto linguístico.
Notamos que na função referencial, poética e metalinguística, destaca-se o objeto de que se fala; na função conativa e fática, destaca-se o interlocutor a quem se fala; por fim, na função emotiva pode se destacar o sujeito que fala (quando exprime a própria emotividade), o interlocutor a quem se fala (quando trata da emotividade do interlocutor, em vez daquela do sujeito) e o objeto de que se fala (quando se discorre sobre emoções em geral).
No caso de função outrativa, aquela “[...] caracterizada pela divisão de uma personalidade num sujeito do conhecimento (o eu) e um objeto interno do ato de conhecer (o mim) [...]”4, sendo que o “mim” se converte em um “outro” para o “eu”, o “eu” e o “mim” assumirão os papéis de sujeito, de interlocutor ou de objeto. E no caso de função autoconativa, o sujeito e o interlocutor são figurados pela mesma pessoa.
Disso concluímos que:
- Uma mesma função pode não se referir a apenas um elemento no modelo de comunicação, como a função emotiva referir-se unicamente ao emissor, ou como a função metalinguística referir-se ao objeto de que se fala (a linguagem), mas referir-se ao interlocutor, no caso de este ser a língua, como uma personagem por exemplo, em comunicação com um sujeito.
- Mais de uma função da linguagem pode ser identificada em um texto em virtude de ser possível lidar com aspectos da realidade, como lógicos, sensíveis, sociais, etc, ao mesmo tempo.
- A função referente tem primazia sobre as demais, pois quer se esteja enunciando algo sobre estética, sensibilidade, sociabilidade, linguística, quer outro aspecto, as sentenças, escritas ou orais, pronunciadas pelo homem devem ser lógicas, racionais, isto é, devem se organizar de tal modo que se procure expressar a verdade, objeto da Lógica, a qual se compreende com a razão.
Referências bibliográficas:
1. RICHARDS, Jack C.; SCHMIDT, Richard. Longman Dictionary of Language Teaching and Applied Linguistics. 3ª ed. Editora: Person Education Limited (2002). Pág. 214.
2. DE AQUINO, Tomás. Suma Teológica.http://permanencia.org.br/drupal/node/1147, acesso em 11/07/2012.
3. DUBOIS, Jean. Dicionário de Lingüística. 8ª ed. Editora: Cultrix (2001). Pág. 295.
4. LOPES, Edward. Fundamentos da Linguística Contemporânea. Editora: Cultrix. Pág. 58.
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Adendo: Pois a sabedoria faz-se distinguir pela língua; o bom senso, o saber e a doutrina, pela palavra do sábio; e a firmeza, pelos atos de justiça. Não contradigas de nenhum modo a verdade, envergonha-te da mentira cometida por ignorância. (Eclo 4,29-30)
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