Contra a verdade não temos poder algum; temo-lo apenas em prol da verdade. (II Coríntios 13,8)

sábado, 20 de dezembro de 2008

Lauda et laetare : Solta gritos de alegria!

Sermão de São Tomás de Aquino

Solta gritos de alegria, regozija-te, filha de Sião.
Eis que venho residir no meio de ti - oráculo do Senhor. (Zacarias 2, 14)

Prólogo

Como diz o bem-aventurado Bernardo: “Refletindo amiúde o ardor desejoso de nossos pais, enquanto esperavam o advento do Cristo Jesus, fico perturbado eu comigo.” Com efeito, quem reflete sob os suspiros daqueles que clamam, sob os desejos daqueles que esperam, sob a alegria daqueles que anunciam a vinda do Salvador, podem com razão se dar conta da tibieza própria em comparação com as benesses já recebidas desde sua vinda. Clamava Isaías por esta vinda com freqüentes gemidos (16, 1): Enviai o cordeiro ao soberano etc.. Também em 63, 19: Oh! Se rasgásseis os céus etc.. Esperava-o Jeremias mui ansiadamente: Eis que o Senhor criou uma coisa nova sobre a terra etc. Como citado mais acima, é com alegria que o anunciava Zacarias.

Nestas palavras, faz o profeta três coisas: em primeiro lugar, revela neste passo os sentimentos dos santos pais que precederam o advento do Salvador, insistindo continuamente nos louvores: Solta gritos de alegria, regozija-te, filha de Sião. Em segundo lugar, revela que o Filho de Deus verdadeiro descerá do céu: Eis que venho. Em terceiro lugar, mostra [o Salvador] aparecendo humilde na carne humana: Venho residir no meio de ti.

Primeira Parte
[A alegria da vinda do Senhor]

Antes de tudo, revela-se a alegria da vinda [do Salvador], na repetição da palavra “alegria”: alegria perfeita. Acerca disso, é forçoso notar que, para atingir a alegria perfeita, são necessárias três coisas: em primeiro lugar, a elevação da alma até a mercê divina, como indicado neste trecho: Filha de Sião; em segundo lugar, a dilatação do amor como resultado dum gozo espiritual: Regozija-te; em terceiro lugar, o estímulo da língua para tecer os louvores divinos: Solta gritos de alegria! De fato, se tu consideras com atenção os favores divinos, serás pois “filha de Sião”; se exaltado cantas e cumula de louvores e elogios a glória de Deus, conhecerás a alegria perfeita; se dessa consideração nasce o gozo espiritual, então, filha de Sião, regozijarás, conforme a ordem do profeta: Solta gritos de alegria, regozija-te, filha de Sião!

Em primeiro lugar, para se atingir a alegria perfeita, há de a alma se elevar até a mercê divina, como se indica em Filha de Sião. Com efeito, Sião significa “lugar elevado”, e segundo a interpretação espiritual unânime, a palavra simboliza a alma contemplativa. Passou um homem para anunciar a vinda do Senhor, por sua pregação (Is. 52, 7): Como são belos sobre as montanhas os pés do mensageiro que anuncia a felicidade! E mais adiante: [é o] que diz a Sião: Teu Deus reina! Merece realmente escutar a pregação aquele que só quer falar “do Cristo e com Cristo”. Assim o Senhor, em Mateus 21, 5, e Zacarias 9, 9: Dizei à filha de Sião, i. é, a alma transida, pela meditação, na contemplação dos favores de Deus: “Eis que teu rei vem a ti!” Dirigi-vos, afirmo eu, aos sequiosos da palavra da alegria de sua vinda, a fim de serem consolados. Isaias 12, 6: Exultai de gozo e alegria, habitantes de Sião, porque é grande no meio de vós o Santo de Israel. Com efeito, segundo a palavra do bem-aventurado Bernardo: “É dada abundantemente a consolação de Deus aos que não admitem nenhum outro além dele.” Esta são as filhas de Sião, a quem se anunciou e prometeu a visão contemplativa de sua vinda, Zacarias 9, 9: Exulta de alegria, filha de Sião! Cânticos 3, 11: Saí, ó filhas de Sião, contemplai etc.. Saí das perversões do vício, e sede as filhas de Sião, pela contemplação das realidades excelsas, para assim admirardes o rei Salomão, i. é, o Senhor dos Anjos, ostentando o diadema recebido de sua mãe, i. é, segundo a Glosa, “na humanidade recebida da ascendência judia”.

Em segundo lugar, para alcançar a alegria perfeita, é preciso que se dilate o amor como resultado duma alegria espiritual, o que está apontado neste lugar: Regozija-te!

Ora, é com justiça que deve exultar a alma fiel, mais ainda, deve transbordar a natureza humana inteira de gozos espirituais abundantes, quando se vê unida à sociedade divina. Com efeito, a natureza humana, que outrora fora um como deserto e terra inóspita em razão da ausência da graça celeste, agora está luxuriante em vegetação, pejada de frutos e flores, desde que o Filho de Deus a assumira na unidade de sua pessoa. Isaias 35, 1-2: O deserto e a terra árida regozijar-se-ão. A estepe vai alegrar-se e florir. Como o lírio ela florirá, exultará de júbilo e gritará de alegria. Em seguida: A glória do Líbano lhe será dada. Mais adiante, em Isaias 62, 4, está escrito: não mais serás chamada a desamparada.

[A natureza humana deve ainda exultar de gozos espirituais] quando se sente fortificada pelo auxílio dos céus. Outrora, estava marcada a natureza humana inteira com a tristeza, devido à ausência da graça, ao fechamento das portas [do céu], à opressão da antiga prisão. Ora, agora se derramou a graça divina, por que, como consta em Atos 2, 3 e 4: Eles foram cheios do Espírito Santo. Descerrou-se a porta do céu, Apocalipse 4, 1: Vi uma porta aberta no céu. Esmagou-se o poderio do demônio, João 12, 31: Agora será lançado fora o príncipe deste mundo. Apocalipse 12, 10: Foi precipitado o acusador de nossos irmãos, e mais a frente: Por isso alegrai-vos, ó céus, e todos que aí habitais. Predisse-o Isaias 9, 2: Vós suscitais um grande regozijo, provocais uma imensa alegria; rejubilam-se diante de vós como na alegria da colheita, como exultam na partilha dos despojos.

Em terceiro lugar, para se alcançar a alegria perfeita, é forçoso o estímulo da língua para a proclamação do louvor divino, o que se indica neste passo: Solta gritos de alegria. Desde então, o conhecimento de Deus é tão agradável à nossa inteligência, quanto é ao nosso amor o transporte do gozo interior. Só nos sobra cantar, por todos os sentidos, o louvor [de Deus]. Eis porque diz o autor: Solta gritos de alegria! A alma fiel tem com que largamente comunicar seus louvores ao Redentor, pois se afirma em Filipenses 4, 7: E a paz de Deus, que excede toda a inteligência, haverá de guardar vossos corações e vossos pensamentos, em Cristo Jesus. De igual modo, no Sirácida 43, 30: Que podemos nós fazer para glorificá-lo? Pois o Todo-poderoso está acima de todas as suas obras.

Devemos verdadeiramente louvar o poder do Defensor que nos afastou dos perigos, pois que é terrível perigo estar a serviço do demônio e do pecado: isso é de fato como o jugo de Faraó. Romanos 6, 22: Mas agora, libertados do pecado e feitos servos de Deus, tendes por fruto a santidade; e o termo é a vida eterna, cantemos ao Senhor. Êxodo 15, 2: O Senhor é a minha força e o objeto do meu cântico; foi ele quem me salvou. Ele é o meu Deus – eu o celebrarei; o Deus de meu pai – eu o exaltarei.

[Devemos também louvar] a justiça do Redentor, por que “ao morrer, destruiu a morte”. De fato, a morte expiar a morte era justiça; mas o Cristo expiar a morte era misericórdia, pois que pagou o que não roubara, e isso com justiça soberanamente digna de louvor. Sirácida 16, 22: Os louvores são ditados pela justiça, e Isaias 61, 11: O Senhor Deus fará germinar a justiça e a glória diante de todas as nações.

[Devemos ainda louvar] a clemência do Salvador, que nos conduziu à vida eterna. Como o disse o Apóstolo aos Colossensses 1, 13: Ele nos arrancou do poder das trevas e nos introduziu no Reino de seu Filho muito amado no qual temos a redenção, a remissão dos pecados. Por isso aquilo de Isaias 44, 23: Céus, regozijai-vos, pois o Senhor agiu [com misericórdia].

Segunda Parte
[A vinda do Filho de Deus sob forma visível]

Em segundo lugar, nas palavras citadas ao início, descreve o profeta a proximidade da vinda [do Cristo], apresentado como se bem próximo estivesse, neste trecho: Eis que venho. Venho, disse ele, de modo visível, com forma humana, em que se revela inaudita novidade: Eis!, disse ele.

Neste modo de falar, excita o profeta nossa tibieza para ir e compor-se diante dele. Isaias 25, 9: Eis nosso Deus do qual esperamos nossa libertação. Zacarias 9, 9: Eis que vem a ti o teu rei. Mostra assim a novidade dessa vinda, para que o esperemos e sejamos cheios de admiração. Assim canta a Esposa do Cântico 2, 8: - Oh, esta é a voz do meu amado! Ei-lo que aí vem, saltando sobre os montes, pulando sobre as colinas. Isaias 43, 19: Eis que vou fazer obra nova, a qual já surge. Comunica ao entendimento a proximidade [de sua vinda] para que nos disponhamos a recebê-lo. Malaquias 3, 1: E imediatamente virá ao seu templo o Senhor. Daniel 7, 13: Vi um ser, semelhante ao filho do homem, vir sobre as nuvens do céu. Neste modo de falar, mostrava-se o Filho de Deus como visível sob a forma da humanidade, ao falar: Eis!

Ele vem pessoalmente em sua natureza divina, no que revela infinita grandeza, como indica este extrato: [eu] venho. Esta é a pessoa que se exprimiu pela boca dos profetas, Isaias 52, 6: Sou eu quem diz: Eis-me aqui! [É a pessoa] que anuncia a redenção de todos os pecadores, Isaias 63, 1: Sou eu, que luto pela justiça.[É a pessoa] que proclama o julgamento do final dos tempos, Salmo 75 [74], 3: No tempo que fixei, julgarei o justo juízo, e Salmo 37 [36], 30: A sua língua exprime a justiça.

É de justiça, pois a ele pertence a eternidade, e a existência antes da existência. Exôdo 3, 14: Eu sou aquele que é. Com efeito, ele procede de Deus de modo consubstancial e deste a eternidade, João 8, 42: É dele que eu provenho. Igualmente possui ele poderio infinito, e é o criador de tudo. Isaías 45, 6-7: Eu sou o Senhor, sem rival; formei a luz e criei as trevas. De fato, como o Filho é Deus, princípio gerado do princípio, possui ele junto com o Pai o ser e o poder. Também é dele o conhecimento perfeito, e assim governa todas as coisas, Sirácida 24, 3: Saí da boca do Altíssimo, engendrado antes de toda a criatura. Como ele é luz de luz, claridade da claridade, o Filho é, como o Pai, infinitamente poderoso. João 8, 12: Eu sou a luz do mundo.

Todavia, “eis que venho, como amigo vestido em hábito de serviço, apesar de minha sublimidade e enorme dignidade”. [Eu] venho é o mesmo que dizer: “Não envio anjo, nem espírito, nem lugar-tenente, mas venho eu mesmo, e assim se revela o maior dos amores.” [Eu] venho, digo eu, por convide dos santos pais: realmente, todos os santos desde o começo do mundo o haviam convidado; eles são representados na figura da bem-amada, Cântico 6, 2: Meu bem-amado desceu a seu jardim, e no último capítulo do Apocalipse 22, 20: Vinde, Senhor Jesus, e também em Isaias, Jeremias e em outros profetas.

A piedade me conduziu e comoveu desde o fundo do coração. Lucas 1, 78: Pelas entranhas da misericórdia do nosso Deus, com que o oriente do alto nos visitou. “Lá mostrou seu poder e sabedoria; aqui, sua misericórdia”, como afirma Bernardo. Ele também se comparece de nossas enfermidades. Mateus 8, 7: Eu irei, e lhe darei saúde. Lucas 19, 10: Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o que se havia perdido. João 3, 17: Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele.

Realmente, porque decaíramos de toda dignidade, ele veio como chefe de infinita dignidade. Josué 5, 14: Eu agora venho como chefe do exército do Senhor. De igual modo, porque estávamos separados do amor de Deus, ele veio estabelecer uma inaudita paz de caridade, Efésios 2, 14: Porque ele é a nossa paz, o qual de ambos os povos fez um. Ele veio para pregar a paz aos que estavam afastados. E não foi tão-somente o amor do Filho que veio, mas também o do Pai. E por fim, porque estávamos privados da luz ou claridade, ele veio como luz de infinito esplendor, João 12, 46: Eu sou a luz que vim ao mundo.

Terceira Parte
[A humildade da vinda do Salvador]

Em terceiro lugar, nas palavras citadas ao começo, demonstramos a humildade da vinda [do Salvador]. Assim, venho residir no meio de ti, como se dissesse: “Durante a viagem, serei teu companheiro.” Por isso diz: venho residir.

Ele residiu conosco de três modos: de modo geral, [ele residiu] junto com todos os homens a substância da carne, João 1,14: E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; Baruque 3, 38: Foi então que ela, [a sabedoria], apareceu sobre a terra, onde permanece entre os homens; de modo particular, junto com os santos por meio da graça difundida sobre eles, 2 Corintios 6, 16: Eu habitarei e andarei entre eles, e serei o seu Deus e eles serão o meu povo; de modo familiar, junto com os bons por meio da presença visível, Salmo 24, 12: O Senhor se torna íntimo dos que o temem, e lhes manifesta a sua aliança. [Escreve] Bernardo: “Ele veio para habitar com os homens e neles, para iluminar suas trevas, para abreviar seus sofrimentos e afastar os perigos”.

Veio ele também como mediador da reconciliação: No meio de vós. Lucas 22, 27: Eu estou no meio de vós, como aquele que serve. Ora, ele mediou para reconciliar Deus e o homem. João 2, 26: No meio de vós existe alguém que vós não conheceis. Deuteronômio 5, 5: Eu estava entre o Senhor e vós para transmitir-vos suas palavras.

Quisera ele ainda nos trazer a plenitude da alegria, João 20, 19-20: Jesus veio e pôs-se no meio deles. Disse-lhes ele: A paz esteja convosco!, e mais além: Os discípulos alegraram-se ao ver o Senhor. Isaías 12, 6: Exultai de gozo e alegria, habitantes de Sião, porque é grande no meio de vós o Santo de Israel.

Igualmente mostrou-se grande na distribuição das recompensas: Oráculo do Senhor!

Tradução: Permanência
(A partir da tradução francesa de Charles Duyck, março de 2005)

Fonte: Permanência

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